domingo, 24 de janeiro de 2010

Pense no Haiti, reze pelo Haiti



O início desse ano, 2010, foi marcado por uma violenta tragédia que voltou as atenções mundiais para uma república de negros, paupérrima e sem grande importância para a economia global. Só assim os olhos do mundo lembraram-se daquele pequeno país, que divide as fronteiras da ilha de São Domingos com a República Dominicana.
Sendo o primeiro país a libertar os negros da escravidão, em 1794, parecia que a história do Haiti seria uma sucessão de conquistas pela liberdade (o governo haitiano chegou a fornecer ajuda financeira e militar a Simon Bolívar, que em troca, se comprometeu a abolir a escravidão nas colônias que conseguisse libertar), mas não foi isso o que aconteceu. Mesmo após sua independência, em 1804, passou a sofrer retaliações (como o embargo econômico de 60 anos, imposto pelos Estados Unidos), que comprometeram seriamente sua economia e seu desenvolvimento.
A liberdade tão sonhada também parecia distante. Os governos haitianos não apresentavam qualquer compromisso com a democracia ou com os interesses do povo. O período mais cruel de ditaduras no Haiti ocorreu entre 1957 e 1988, quando o país foi governado pelo médico François Duvalier e, depois, pelo seu filho Jean-Claude Duvalier, conhecidos respectivamente como Papa Doc e Baby Doc.
Mais tarde, em 1990, num fato que parecia imprimir ares democráticos ao país, foi eleito para a presidência da república, Jean-Bertrand Aristide, um padre ligado à teologia da libertação. O sonho durou pouco: em 1991 Aristide foi deposto por um golpe de Estado.
O início do século XXI marca a história haitiana com uma nova tragédia: o terremoto ocorrido em janeiro desse ano, que deixou ao menos 150 mil mortos (números oficiais). Rapidamente o governo brasileiro, que já mantinha tropas de paz no país, manifestou sua solidariedade. A comunidade internacional também não demorou a se manifestar.
Mas um fato em especial se destaca em meio a esse acontecimento trágico: adeptos de alguns segmentos religiosos parecem se valer dessa tragédia para manifestar sua intolerância, proferindo absurdos sem tamanho. Sem qualquer pudor, dizem que o Haiti foi vítima desse terremoto porque Deus se voltou contra seu povo, que em grande parte é adepto da religião conhecida como vodu. Esses oportunistas de plantão, ao invés de honrar o título de cristão que ostentam, preferem vomitar sua ignorância covarde sobre um povo sofrido, cujo “mal” foi apenas manter vivas suas tradições.
Estamos todos sujeitos a tragédias naturais. Placas tectônicas movem-se independente da religão pratica pelo povo.
As tragédias humanas, quase sempre provocadas pela intolerância e pela ignorância, causam estragos maiores, pois não se limitam a uma tarde de terremotos, perduram por décadas e às vezes até séculos, causando muito mais mortes que as catástrofes naturais. Basta conferir o número de mortos causados pelas Cruzadas, pela inquisição católica, pela inquisição protestante, pela prática covardade da escravidão, pelo holocausto... São tragédias impulsionadas por homens desprovidos de qualquer senso humanitário. Homens que certamente apontariam hoje para o povo do Haiti, afirmando categoricamente que seu sofrimento é causado pelo culto que praticam aos seus ancestrais africanos. Homens que certamente usariam a força para impedir que cultos diversos do seu fossem praticados. Homens que certamente reativariam uma inquisição, caso lhes fosse permitido.
É óbvio que qualquer generalização é igualmente ignorante, mas também é fato que outros alguns parecem se deliciar com a oportunidade de mistificar um acidente geológico para criticar a crença alheia.
Enquanto a Terra existir, terremotos acontecerão. Eles não são o maior mal do planeta. O maior mal é a ignorância, pois ela é cruel, impiedosa, contamina as mentes incautas e promove o caos social.
Antes que sejamos vítimas desse caos, é bom que pensemos no Brasil, que rezemos pelo Brasil, pois o Haiti ainda não aqui...

Douglas Fersan
Janeiro de 2010