domingo, 7 de agosto de 2011

Caridade verdadeira e caridade maculada - por Douglas Fersan



No meio umbandista o que mais se ouve é a máxima de que a caridade é a base de tudo, da religião, da espiritualidade, da evolução e até da salvação (como se estivéssemos pré-condenados a alguma coisa – esse é um ranço do mito cristão do pecado original). Não há erro algum em apregoar a caridade. Ela traz benefícios para quem a recebe e principalmente para quem a pratica, pois serve de estímulo à prática religiosa e a elevação da alma, mas a pergunta é: somente a caridade visível, palpável é válida?

Não resta dúvida que toda forma de caridade é importante, no entanto será que todo sentimento por dentro de quem a pratica aos olhos de uma assistência é puro e realmente verdadeiro?

Será que quando adentramos o terreiro, o nosso solo sagrado, estamos realmente em harmonia com o astral, tornando dignos os nossos pés de pisarem esse chão? Ou será que já entramos pensando (e supervalorizando) nos problemas que poderão acontecer no decorrer da gira?

Será que cumprimentamos o nosso irmão-de-fé com um sorriso franco, vindo verdadeiramente do coração ou o fazemos somente para cumprir um protocolo? Será que vemos naquele irmão um semelhante, suscetível a erros e acertos como qualquer ser humano ou o olhamos por cima, como se estivéssemos em um pedestal que nos permite dirigir esse olhar pedante àquele a quem deveríamos amar e respeitar como um membro da família?

Será que quando vemos um iniciante na religião o tratamos como uma jóia rara, mas que precisa ser lapidada, ou fazemos chacota das suas incertezas e o acusamos de mistificar quando ele, de alguma forma, manifesta as energias que o cercam? Será que temos toda essa luz para apontar o dedo e julgar alguém? Será que lembramos de olhar no espelho de vez em quando e analisar nossos próprios erros?

Quem de nós se lembra que geralmente acusamos os outros daquilo que somos capazes de fazer, e não daquilo que as pessoas realmente fariam?

Um terreiro de Umbanda não é um lugar qualquer. Não é um ambiente de trabalho mundano, onde qualquer tipo de assunto pode ser tratado de maneira leviana e qualquer tipo de atitude pode ser tomada. As atitudes devem condizer com o propósito de uma casa espiritual, quem foge dessa regra deve repensar seriamente as suas atitudes e a sua religiosidade.

Mas estamos ali para praticar a caridade. A caridade justifica tudo.

Muitos acreditam que o fato de estar praticando a caridade, lhes permite e justifica as atitudes descritas acima. Tudo pode, desde que a caridade seja praticada?

Será?

De boas intenções alguns lugares não tão bons estão lotados. De palavras bonitas algumas bocas imundas estão cheias. Da mesma forma que estão cheias quando, longe da multidão, ou melhor, próximo apenas do seu círculo mais íntimo, de maledicência, escárnio, fofocas. Será que nesse caso a caridade justifica tudo?

É preciso começar a discutir a ética em todas as esferas, inclusive no meio umbandista. Cada um deve vigiar o próprio comportamento constantemente, a fim de não conspurcar a religião como um todo, pois o leigo e os detratores da Umbanda não dizem que essa ou aquela atitude é individual, e sim que é uma atitude da Umbanda. A religião como um todo é maculada e quem é o culpado?

É muito fácil ir a um terreiro, vestir branco, bater palma, cantar os pontos e dar passagem às suas entidades. Também é fácil associar tudo isso a uma postura ética, basta olhar um pouco para si e menos para os outros. E reconhecer que, apesar de trabalhar com a mediunidade, não é melhor que ninguém. Também não é difícil lembrar que somos meros instrumentos; quem cura, abre caminhos e quebra demandas são as entidades e os orixás, e não nós.

Portanto, pratique caridade, mas a caridade verdadeira, não a caridade envenenada, que já vem contaminada com a seiva amarga das vaidades humanas. Assim você conseguirá ajudar não apenas aquele que procura o terreiro, mas a si também.

Você já olhou no espelho hoje?
Não?
Então vá.

Douglas Fersan
07/08/2011