terça-feira, 27 de setembro de 2011

As crianças - por Adriano Camargo



“Papai me mande um balão, com todas crianças que têm lá no céu...

Tem doce papai, tem doce papai, tem doce lá no jardim “

Muita festa e alegria com essa linha de trabalho, destro dos rituais de Umbanda Sagrada!

É praticamente impossível não reagirmos também com felicidade ao vê-los “brincando” nos terreiros.

Cosminhos, erês, ibejada, ou simplesmente “as crianças” são comemorados neste mês de setembro, sincretizados ao culto católico com São Cosme e São Damião.

Trazem muita força de trabalho e em suas manifestações, traduzem a essência da pureza e simplicidade. Renovadores por excelência são amparados pela linha do Amor (Oxum e Oxumaré), mas não perdem sua essência elementar.

Vemos muitas crianças da água, das matas, das praias, alguns caboclinhos e caboclinhas, etc.

Seus nomes simbólicos normalmente no diminutivo, dificilmente traduzem sua essência original, mas isso é totalmente desnecessário, pois para a pureza não é necessária a tradução.

Alguns ainda pertencem ao estágio encantado da evolução, normalmente os que se apresentam por nomes simbólicos ligados a falanges ou mesmo a elementos da natureza, como: Pedrinha, Coquinho, Ventinho, etc.

Trabalham brincando e brincam trabalhando. Quando solicitados, são excelentes guias de trabalho e atendimento, ótimos curadores e fantásticos orientadores espirituais. Quem nunca se sentiu também criança de frente a uma manifestação dessa linha. E quem melhor senão nossa “criança interior” para ouvir e captar conselhos dados por outra “criança”.

Não subestimemos esse irmãozinhos do astral e cultuemo-los, e oferendamo-os sempre que necessário ou mesmo por agradecimento.

O sincretismo se dá ao fato de as crianças no culto de nação, estarem ligadas ao Orixá Ibeji, que são dois irmãos gêmeos. Como os santos católicos Cosme e Damião, irmãos gêmeos e médicos, que pereceram decapitados, porque praticavam a medicina gratuitamente em socorro dos pobres e das crianças infelizes e abandonadas. São protetoras da Medicina e de todas as crianças do mundo, inclusive as desencarnadas que ainda não completaram o círculo dos renascimentos .





Oração a São Cosme & São Damião

São Cosme e São Damião, que por amor a Deus e ao próximo vos dedicastes

à cura do corpo e da alma de vossos semelhantes, abençoai os médicos

e farmacêuticos, medicai o meu corpo na doença e fortalecei a minha

alma contra a superstição e todas as práticas do mal. Que vossa

inocência e simplicidade acompanhem e protejam todas as nossas crianças.

Que a alegria da consciência tranqüila, que sempre vos acompanhou,

repouse também em meu coração. Que a vossa proteção, São Cosme e São

Damião conserve meu coração simples e sincero, para que sirvam também

para mim as palavras de Jesus: “Deixai vir a mim os pequeninos, pois

deles é o Reino dos Céus “.

São Cosme e São Damião rogai por nós..

27/09/2011

domingo, 25 de setembro de 2011

Festa de Cosme e Damião do Templo de Umbanda Lar de Preto Velho



No dia 18/09/2011, o Templo de Umbanda Lar de Preto Velho realizou a sua primeira festa em homenagem a Cosme e Damião – que representam as crianças na espiritualidade – no Santuário Nacional de Umbanda.

Como que influenciados pela energia das crianças, os médiuns e cambones estavam todos felizes, exalando alegria e sorrisos, manifestando a satisfação em estar ali, naquele lugar bonito, abençoado, agradecendo às crianças do astral.
Ao mesmo tempo simples e farta, a festa estava como qualquer criança gostaria de ver: repleta de doces, brincadeiras, sorrisos.

Cada membro do grupo doou um pouco de si, através de seu trabalho, ou de doces, ou de boa vontade ao servir cada entidade manifestada em terra, bem como à assistência, que comparecem eu peso nesse dia. Harmonia plena e total, tal qual foi a proposta do grupo ao ser criado.

No entanto, o mais importante ninguém viu. O axé das crianças sendo derramado sobre cada um ali presente. A magia inocente, porém sábia, dos espíritos pueris, que nos agraciaram com as bênçãos de saúde, harmonia e paz.

Pouco compreendidas, as crianças do Astral não são simplesmente espíritos infantis. Não são como as crianças encarnadas, que ainda dão os primeiros passos no aprendizado da vida. Embora manifestadas de forma infantil, são espíritos sábios, que usam do arquétipo da inocência para nos mostrar que a vida é simples e que nós, em nossa suposta maturidade intelectual, moral e espiritual, é que complicamos.

Assim, como as crianças às vezes nos surpreendem, os “cosminhos” (como também são chamados esses espíritos) nos dão conselhos que mesmo os mais velhos desconhecem. E assim aprendemos mais uma lição: que nenhum ser do universo, mesmo aquele que parece mais frágil, deve ser subestimado. Todas as criaturas de Olorum têm a sua função e a sua importância no funcionamento do Universo.

Junto aos pretos velhos e aos caboclos, as crianças formam o tripé da Umbanda, representando respectivamente a sabedoria (e por que não dizer também, a resistência?), a força e pureza. Em outras palavras, manifesta-se na Umbanda, a perfeição do Universo e do próprio Deus, então só nos resta render homenagens e louvores a essa perfeição. E para celebrar a pureza, nada melhor que usar o arquétipo das crianças e aquilo que elas mais gostam: os doces e as brincadeiras. Aprendemos com as crianças, isso é fato.

Ao final da festa, saímos todos um pouco melados, mais pesados, com a glicemia um pouco mais elevada. Mas também estavam mais elevados nossos espíritos, nossas energias e a nossa disposição para encarar a semana que se iniciava. Saímos todos carregando um pouco da pureza das crianças em nossos corações e um pouco de sua alegria em nossos lábios que não se envergonhavam por sorrir.

E assim continuamos nossa jornada umbandista. Seguindo os bons exemplos que recebemos das entidades, colocando em prática as lições por elas ensinadas e levando ao mundo inteiro a Bandeira de Oxalá.

Salve as crianças na Umbanda.
“Andorinha que voa, andorinha,
Leva as crianças pro céu, andorinha
Xô, xô, xô, andorinha
Leva as crianças pro céu, andorinha...”

Douglas Fersan
Setembro de 2011

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Intolerância religiosa e suas estratégias (repasse) - por Douglas Fersan



A intolerância religiosa se manifesta nas mais diversas instâncias e nem nos surpreende mais. O que surpreende é a falta de bom senso, os artifícios usados para que ela seja praticada.

O Parque do Pedroso, localizado em Santo André (próximo à divisa com São Bernardo do Campo), era uma antiga pedreira, constantemente agredida pela atividade econômica ali praticada.

Durante a década de 1970, a Federação Umbandista do Grande ABC (FUGABC), na pessoa do Pai Ronaldo Linares, encampou, com o devido alvará governamental, a imensa área (645.000m2) - que passou a ser conhecida como Santuário Nacional de Umbanda - e, além de criar um espaço para a prática religiosa umbandista, mantém uma política de preservação ambiental, pois todos os trabalhos ali realizados estão em sintonia com a filosofia da religião, que vê na natureza uma das maiores manifestações divinas, justamente à qual presta culto.

Nenhum trabalho realizado desrespeita ou agride a natureza. Ao contrário disso, a harmonia com a flora e a fauna da região são perceptíveis e fazem parte das regras estabelecidas para aqueles que fazem uso do local. Assim, uma imensa área que seria destinada à degradação, hoje é preservada e respeitada. Mas para alguns isso constitui um “problema” (sim, entre aspas): o problema é que essa área é preservada por umbandistas.

Já faz um bom tempo que o Santuário sofre ataques por parte justamente daqueles que deveriam respeitar os direitos do cidadão (como a liberdade de culto religioso) e do meio ambiente. Sob a absurda alegação de que a estrada de acesso ao local (uma estrada de terra, simples, cercada de mata atlântica) provoca prejuízos ao meio ambiente, representantes do Poder Público tentam fechar o acesso ao Santuário. São os intolerantes de plantão, usando pretextos sem qualquer nexo para tentar impedir a prática de uma religião, a qual com certeza não conhecem ou compreendem). E não vou dizer aqui que são evangélicos, como muitos devem pensar em princípio, pois os verdadeiros evangélicos honram a Bíblia que carregam e sabem respeitar as diferenças. Essas pessoas devem ser taxadas apenas como desconhecedoras e intolerantes, independente da fé que professam.

Na última semana de agosto, a Promotoria Pública de Meio Ambiente do município de Santo André, num ataque descabido, solicitou ao Poder Judiciário que a estrada de acesso ao Santuário fosse fechada. A ação não se concretizou, mas ainda corremos o sério risco de perder esse acesso, nos obrigando a fazer outro caminho, mais longo, no qual os automóveis irão poluir dez vezes mais e a degradação, antes ínfima, será mais notória. É uma simples questão de lógica: a troca de uma estrada curta por outra dez vezes mais longa em nada favorece a preservação do meio ambiente, portanto fica muito clara as intenções por trás de tal atitude.

De qualquer forma o Santuário não será fechado. Se o caminho for dez vezes mais longo, faremos um caminho dez vezes mais longo. Se for cem vezes mais longo, o faremos também, e os orixás hão de tornar a distância mais curta para nós. Porém, não vamos deixar que essa medida arbitrária se concretize. Vamos nos manifestar, enviar emails aos vereadores e demais instâncias do poder público manifestando nosso repúdio, a falta de lógica dessa situação e o desrespeito a uma das maiores manifestações do Estado democrático: a liberdade de culto.

Lembrando mais uma vez que o Santuário não fechará. Mas também não nos entregaremos a essa medida sem luta, sem manifestar nosso repúdio ao ato e o nosso orgulho ao trabalho que vem se realizando honesta e honradamente há quatro décadas. Isso também é levar adiante a Bandeira de Oxalá.

Repasse essa mensagem.

Douglas Fersan
09/09/2011

sábado, 3 de setembro de 2011

O Livro - um conto de terror por Douglas Fersan




Girou a maçaneta lentamente e sentiu um estranho arrepio correr da espinha até a nuca ao ouvir a porta ranger, numa mistura de gemido e súplica, como quem alerta sobre um perigo eminente. Paralisada observou o quarto escuro e teve a impressão de que até mesmo a luz relutava em adentrar o recinto sombrio. Olhou desconfiada para a escuridão, mas não tinha motivos para temer.
“As trevas são apenas a ausência da luz” – pensou consigo, lembrando uma velha frase ouvida em um passado distante, que não conseguia localizar com precisão. Além do mais, que perigo a escuridão poderia oferecer além de um objeto fora de lugar, que levaria a um tropeço ou a qualquer acidente trivial?
Usando tais pensamentos como estimulantes contra o medo que insistia em brotar no peito, entrou no quarto e tateou a parede, procurando o interruptor de luz, que apesar de ter sido acionado várias vezes, não iluminou o ambiente.
_Droga – resmungou – a lâmpada deve ter queimado.
Foi nesse instante que seu coração quase parou. Sem que houvesse qualquer corrente de vento que justificasse o fato, a porta – que a essa altura havia ficado às suas costas – bateu forte, como se tivesse sido empurrada por alguém em acesso de fúria.
Não conseguiu reagir. Ficou paralisada, como se cada membro de seu corpo estivesse engessado. Um frio antártico percorreu cada centímetro de seu corpo, subindo dos pés, passando pelas pernas, coluna, ventre, seios... estava completamente congelada. Conseguia mover apenas as pálpebras, que piscavam incessantemente e as órbitas dos olhos, que giravam de um lado para outro, procurando alguma coisa (que não queria encontrar) em meio à escuridão.
Não era atéia, mas também não era dada a crendices e nem mesmo tinha o hábito de rezar, mas naquele momento se arrependeu disso, pois talvez uma prece a ajudasse a livrar-se daquela situação aterrorizante. Mas que nada... agora era tarde para aprender a rezar. Tentou então buscar pensamentos otimistas, imaginando que aquilo era apenas um mal-estar, algo que em segundos passaria e que não oferecia perigo algum.
Mas no mesmo instante em que tentou apegar-se a esse pensamento, viu que tal ilusão seria inútil. Num canto do quarto – o canto mais escuro e quiçá empoeirado – viu aquelas duas pequenas luzes vermelhas, que moviam-se paralelas.
Por uma fração de segundo não conseguiu pensar. Não conseguia concatenar idéias, não conseguia desviar o olhar daquele par de luzes, não conseguia gritar para expressar seu pânico e pedir socorro. Fixou o olhar naquelas luzes vermelhas e paralelas e concluiu, aterrorizada, que tratava-se de um par de olhos.
Sim, era um par de olhos vermelhos como brasa, que brilhavam em contraste àquela escuridão fúnebre. Mais uma vez quis gritar mas não conseguiu.
De repente sentiu um cheiro de flores, mas não era um cheiro agradável. Era aquele odor de flores já velhas, típicas de um velório ou de um cemitério. Teve vontade de vomitar, mas logo notou que o cheiro das flores não era nada comparado ao odor fétido que empestou o ambiente: o cheiro de carne podre, de carniça já em estado avançado e onipresente em todo o quarto.
Conseguiu soluçar. Ao menos já era uma reação diante de tantos instantes paralisada de medo. Soluçou outra vez... e mais outra e outra. Os soluços ao menos a fizeram se distrair por alguns milésimos de segundo. Foi então que sentiu um vento gelado, como se alguma coisa (ou alguém) tivesse passado ao seu lado, numa velocidade estonteante.
Procurou os olhos vermelhos e não os viu, mas em poucos instantes sentiu o vento passando ao seu lado novamente. Foi quando, aterrorizada, viu os olhos vermelhos parados a cerca de quarenta centímetros de si. Não conseguia distinguir o rosto, apenas os olhos insistiam em flamejar à sua frente. Tamanho era seu pavor que uma lágrima escorreu lentamente sobre sua face.
Foi então que o momento de maior terror se fez presente. Um dedo invisível e gelado como o de um cadáver limpou delicadamente a lágrima que descia sobre seu delicado rosto.
_Pobrezinha – disse uma voz gutural e carregada de ironia – agora chora como uma criança assustada.
Aterrorizada, a mulher tentou articular uma palavra, uma interrogação, mas não conseguiu. Apenas ouviu aquela voz agourenta sussurrar, agora em seu ouvido:
_Pisaste nos mais fracos, humilhaste os desvalidos. Jamais tiveste piedade dos inimigos, a quem julgava impotentes...
A cada palavra, aquela boca invisível parecia baforar um hálito pútrido e gelado em seu rosto. Continuou sem dizer nada, apenas recordando os tantos que havia sobrepujado de cima de seu pedestal de riqueza e orgulho. Realmente sempre julgara que os mais humildes, a quem sentia prazer em ver sofrer, jamais teriam forças para se vingar. Sempre achou que suas maldades ficariam impunes. Como em resposta a esses pensamentos, a voz voltou a falar em seu ouvido, exalando aquela fragrância funerária:
_Mesmo os mais pobres possuem suas armas. O ódio, o rancor, a mágoa e o desejo imortal de vingança são capazes de coisas que até... – houve uma pausa, como se o ser invisível se recusasse a pronunciar o nome - ...que qualquer um duvida.
_O que eu lhe fiz? – perguntou a mulher, finalmente conseguindo sair daquele estado letárgico sem, no entanto, ter forças para correr dali.
Uma gargalhada soturna ecoou pelo quarto.
_Por acaso achas que um ser tão insignificante é capaz de me atingir? – perguntou a voz com ares de desprezo – Realmente não sabes quem sou e nem o que quero.
Buscando forças do fundo da alma, ela perguntou:
_Então por que me persegue, por que essa tortura infernal?
_Fui pago... e muito bem pago para atormentar tua existência. Já ouviste falar em pacto? Alguém que julgavas incapaz de reagir contra tuas maldades me pagou para que te atormente a vida inteira. Teu maior castigo será jamais livrar-te de mim.
Mentalmente a mulher tentou repassar a lista de todos os desafetos que fizera ao longo da vida, imaginando qual deles seria capaz de vender a alma ao demônio somente para vingar-se. Enquanto pensava, sentiu a mão gelada do ser invisível apertar seu pescoço e mirou fundo os olhos vermelhos. Em meio à escuridão quase conseguiu ver o rosto horrendo daquele ser que a atormentava. Seria agora o momento de sua morte e o início de uma existência de tormentos eternos?
Tentou gritar, mas a mão gelada apertava sua garganta...

_Chega! – exclamou Maria Clara fechando o livro.
Até gostava de histórias de horror, mas aquela era fantasiosa demais. Riu sozinha ao imaginar inimigos fazendo pactos com seres imaginários para se vingar de antigos desafetos. Ela mesma, rica e soberba, havia conquistado muitos inimigos ao longo da sua vida, desde empregados nos quais pisara sem piedade até amores do passado. Sua coleção de inimigos não era pequena. Se essas coisas existissem mesmo, talvez ela fosse uma séria candidata a se tornar vítima desse tipo de pacto ou feitiçaria. Não leria mais aquele livro ridículo.
Com o livro na mão, dirigiu-se ao seu quarto para trocar de roupa e dormir.
Girou a maçaneta lentamente e sentiu um estranho arrepio correr a espinha até a nuca ao ouvir a porta ranger, numa mistura de gemido e súplica, como quem alerta sobre um perigo eminente. Paralisada observou o quarto escuro e teve a impressão de que até mesmo a luz elutava em adentrar o recinto sombrio...

Douglas Fersan
Agosto/2011