segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A arte de ousar - por Douglas Fersan



A arte de viver. Parece até um tema saturado, já tantas vezes debatido e exaltado em conversas informais e mesmo filosóficas, mas, no entanto, por mais recorrente que pareça, é um assunto relevante e que carece de reflexão. Acontece que viver vai além da filosofia, muito além. Viver é diferente de sobreviver, um ato apenas instintivo, através do qual nos alimentamos, nos hidratamos e nos reproduzimos apenas para manter a própria existência e a da espécie.

Viver é diferente, requer sabedoria, trato, mestria, ousadia... Sim, ousadia. Viver sem ousar é sobreviver, e isso qualquer um faz, e o importante nessa vida é fazer a diferença.

Não fossem os homens e mulheres que ousaram e fizeram a diferença, ainda estaríamos na Idade da Pedra e talvez nem a roda tivesse sido inventada. Mas felizmente sempre existem aqueles que rompem grilhões e ousam tentar realizar aquilo que acreditam. Alguns fracassam, mas ao menos não carregam a frustração de ter vivido uma existência tacanha, inútil e estática. Outros, afortunadamente, obtêm êxito em seus projetos, mas não o teriam caso temessem a ineficácia e a derrota de seus projetos. Assim nasceram as grandes atitudes que revolucionaram o mundo, mas só mudamos o mundo quando mudamos nossas vidas. Em outras palavras, é preciso revolucionar a própria vida, os frutos que revolucionarão o mundo serão reflexo disso. Do microcosmo partimos para o macrocosmo, e assim construímos as condições para que as mudanças aconteçam.

É preciso ser ousado e destemido, mas muitas vezes isso é difícil. Romper com os laços, especialmente afetivos, aos quais estamos ligados é o revés de um parto. Muitas vezes nos magoamos, magoamos a quem queremos bem e, mais freqüente que isso, somos pouco compreendidos, até que a poeira abaixe e todos os envolvidos retornem ao raciocínio. Isso é fazer história, isso é ousar, isso é a arte de viver.

Mas o que isso tem a ver com Umbanda?

A Umbanda é um anti-espelho que mostra os rumos que não estamos tomando e os rumos que devemos tomar. A Umbanda é dinâmica, está em constante movimento, é ousada – basta lembrar que rompeu (e rompe) até mesmo com padrões ritualísticos estabelecidos pela classe média que se julgava a detentora do conhecimento espiritual no início do século XX. A Umbanda é a ousadia jovial de Oxóssi, é a coragem guerreira de Ogum, a sabedoria dos pretos-velhos, a praticidade de Exu e toda a síntese dos atributos dos orixás divinos e das entidades, que movimentam nossas vidas.

Portanto, ao umbandista cabe o movimento, a ação, a busca e a renovação. Ao umbandista cabe a ousadia, a determinação de mudar sua própria vida, não apenas no sentido de reforma íntima e reavaliação de seus conceitos éticos e morais, mas também no sentido de fazer a diferença frente à sociedade. Ao umbandista cabe mostrar que ele é ousado no sentido de fazer a diferença no meio em que vive, não com ações hipócritas que passam a imagem de bom samaritano passivo, mas com atitudes autênticas e racionais, mas ao mesmo tempo humanas e solidárias, que façam a diferença, para que ele seja o espelho da religião que representa.

Ao umbandista não cabe apenas vestir branco uma, duas vezes por semana e rodar numa gira. Ao umbandista cabe vestir de fato a camisa de sua religião, ousar mostrar sua crença (apesar das represálias que possam ocorrer), viver a sua fé de forma intensa, porém racional e ética, mas sempre no sentido de construir uma imagem positiva daquilo que crê.

Muitas vezes falta ao umbandista a arte de ousar e de aprender que o mundo dos orixás vai muito além das quatro paredes do terreiro que freqüenta. É preciso ampliar o universo do umbandista, pois para a Umbanda não existem limites físicos, existem apenas os limites que nós, pobres e ignorantes encarnados, acreditamos impomos à nossa crença, aos nossos orixás e aos nossos mentores.

Salve a arte de ousar.

Saravá a Umbanda.

Douglas Fersan – Janeiro de 2011.

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