sexta-feira, 6 de maio de 2011

As mães e as mãos que curam



Lembro que um dia eu caí. Ralei o joelho apenas, mas na minha fragilidade de criança aquilo doeu tanto, mas tanto e tanto. Mas hoje entendo que doeu mais na alma, pois qualquer ferida sentida na carne imediatamente aciona aquele mecanismo de defesa que todos temos e imediatamente clama por socorro.

Com o joelho ralado e as lágrimas escorrendo pelo rosto caminhei até minha casa, que não ficava longe dali. Duzentos, trezentos metros talvez, mas pareceu tão distante e o tempo foi uma eternidade.

Eu não reclamei, não precisava. Meus olhos marejados diziam tudo e aquele rosto doce e inesquecível imediatamente compreendeu. Aliás, aquele rosto, aqueles olhos, aquela feição sempre compreendia – acho que até com antecedência – todas as minhas dores e anseios. E naquele dia não foi diferente.

Com carinho me colocou sobre uma cadeira e com as mãos calejadas de tanto costurar (pois a vida não era fácil e exigia dela verdadeiros sacrifícios, que na época eu nem compreendia, mas hoje sei que eram imensos) passou um algodão com remédio no ferimento do meu joelho. Ardeu um pouco, mas suas sempre sábias palavras me lembraram que “o que arde cura”. E realmente curou, pois a ferida doía mais na alma, que queria o seu carinho, o machucado no joelho era um detalhe, o que realmente interessava era o carinho que eu sabia que certamente receberia. Às vezes até valia a pena ralar o joelho, só para ganhar o seu colo.

E assim ela fez centenas ou milhares de vezes, inclusive em momentos em que eu não era mais uma criança, mas que ainda me sentia tão dependente e carente de suas palavras, de seu afago, de seu socorro, de suas mãos calejadas curando minhas feridas. Caí tantas e tantas vezes que perdi a conta. Mas também foram incontáveis as vezes em que suas mãos aparentemente frágeis, magras e ainda calejadas me ergueram do chão. Mais incontáveis ainda foram as demonstrações de que sempre estaria ali, pronta a erguer toneladas de rochas com seus bracinhos esquálidos, para me tirar dos escombros que a vida impunha.

Tantas vezes não compreendi suas palavras e seus ensinamentos, mas sempre – algumas vezes um pouco tardiamente – percebi que estava enganado e que ela sempre tinha razão. Quando ela dizia “leve o guarda-chuva”, podia o sol estar escaldando o asfalto, que certamente iria chover. Ela sempre sabia o que dizia. E eu, como todo jovem afoito, nem sempre compreendia.

A vida nos possibilitou muitas coisas, entre elas, fortalecer a cada dia os laços de amizade, admiração, respeito e companheirismo. Eu ainda era jovem, porém não era mais tão afoito e os diversos tombos que levei me ensinaram a entender que ela estava sempre certa. Assim o tempo foi passando e meu amor e minha admiração só foi crescendo.

Um dia foi ela quem caiu.

Como era possível aquele ser, embora pequeno em tamanho, mas gigantesco em força, conhecimento e moral tombar daquele jeito? Gigantes não caem, gigantes não tombam, gigantes não adoecem... pelo menos sempre pensei assim, ou melhor, sempre me esforcei para acreditar que isso jamais aconteceria. Mas o tempo todo eu sabia que estava mentindo para mim mesmo e que gigantes caem sim, e que nós, meras formiguinhas nos vemos obrigados a dobrar, triplicar de tamanho e força para acudir aquela que até pouco tempo atrás nos acudia. Olorum, só ele sabe de onde vieram as forças, mas cuidei da minha giganta enferma até o dia em que os seres de luz entenderam que tanto ela como eu estávamos prontos para nos separar. E assim o fizeram.

Como é maravilhosa a natureza divina. Naquele momento descobri em mim um gigante, que até então estivera adormecido. O Universo me deu forças para que eu encerrasse a passagem da minha giganta com a dignidade que ela merecia. Após jogar a última pá de terra, encerrando aquele ciclo, voltei para casa e chorei. A dor era imensamente maior que a do joelho machucado. Acho que nem um membro amputado doeria tanto. Chorei, chorei e chorei, sem ter ninguém que me dissesse que “o que arde cura” ou mesmo quem me passasse um remedinho que aliviasse a dor.

O tempo não curou a dor, mas ensinou que ela era necessária para que aprendesse a andar mesmo com os joelhos ralados. Serviu para mostrar que mesmo que as pernas doessem eu as tinha para caminhar e serviu também mostrar que aqueles conselhos aos quais eu nem sempre dava o devido valor eram a fonte de sabedoria que deveria inspirar minha vida. Era como se Deus falasse pela boca daquele ser tão doce e frágil, mas que ao mesmo tempo era colossal como uma montanha, que norteou e alicerçou minha vida. Aprendi que eu também tenho joelhos a curar. Hoje, apesar do tempo passado, sei que a minha giganta me observa das esferas superiores e seus conselhos ainda retumbam em minha memória e mesmo não estando presente na matéria, suas mãos calejadas ainda manipulam os remédios que aliviam minha dor quando meus joelhos fracos se dobram ao chão.

Dedico esse pequeno texto a todas as mães – presentes e ausentes – mas também aos filhos que não têm mais o privilégio de abraçá-las, mas que certamente não estão desamparados por esses anjos que Olorum colocou em nossas vidas.

Douglas Fersan – maio de 2011

2 comentários:

Cândida Camini disse...

Sem palavras, Douglas, Feliz Dia das Mães, pois ela com certeza estará ao seu lado.

Silvaneide disse...

Douglas só tenho uma coisa a dizer: não sei como ainda vc não foi reconhecido nacionalmente pelas coisas que escreve. Sensibilidade e inteligencia à flor da pele.