Dando continuidade à publicação de uma série de textos que produzi com o objetivo de olhar a Umbanda sob um prisma histórico e sociológico, segue "E surgiu a Umbanda (outra breve introdução)". Esse texto foi publicado originalmente no jornal Região em Destaque, em janeiro de 2009. Como sua temática se encaixa perfeitamente no objetivo desse trabalho, resolvi republicá-lo aqui, com algumas pequenas adaptação.
Peço àqueles que quiserem utilizá-lo em sites ou blogs, que apenas preservem a fonte.
Douglas Fersan
Entender a Umbanda é entender o Brasil. Um país rico em variedades étnicas e culturais só pode ser resultado de uma intensa miscigenação ao longo de
seu processo de formação histórica e que ainda hoje mostra-se em
movimento. Diversos elementos contribuíram para a formação desse imenso
país e essa variedade de costumes que o caracteriza. Do seu elemento
étnico primordial – o indígena – pouco restou, levando-se em conta o
massacre de que foram vítimas. No entanto, herdamos vários de seus
costumes e crenças, dos quais podemos destacar diversos topônimos e o
uso de ervas para fins ritualísticos e medicinais.
O colonizador europeu não tardou a impor seus hábitos e crenças, assim, o catolicismo e toda sua liturgia foi introduzido no Brasil, passando a fazer parte da própria identidade nacional. Mais um elemento incorporava-se à massa humana e cultural que formava a nossa população.
Grande e inegável contribuição para esse processo foi dada pelos negros, que vieram cativos da África. Proibidos de realizar seus cultos, nos quais adoravam os Orixás, Inkisies e Voduns – divindades provenientes do panteão africano – trataram logo de encontrar um subterfúgio para garantir a sobrevivência de sua crença: associaram os Orixás aos santos católicos, assim podendo realizar seu culto sem a interferência violenta de seus patrões. Foi criado então, o sincretismo entre santos católicos e divindades africanas e, dessa maneira, os negros deixavam fincadas suas raízes de forma definitiva, na cultura brasileira – era mais um importante elemento que se agregava.
Mais tarde, já na segunda metgade do século XIX, em plena febre do positivismo europeu, surge na França, através do pedagogo Hippolyte León Denizard Rivail (que tornou-se conhecido com o codinome de Alan Kardec), a Doutrina Espírita ou Espiritismo, que tenta levar a comunicação com os espíritos à luz da ciência, além de definir padrões morais e filosóficos sobre questões como a morte, pecado, culpa e carma. Essa nova doutrina encontrou vários adeptos entre a classe média brasileira, e assim, o Espiritismo tornou-se mais popular no Brasil do que em seu país de origem.
A população brasileira, no entanto, assimilou todos esses elementos (e outros mais) e, salvo casos em quem o sectarismo não permitia, criou um verdadeiro emaranhado de todas essas crenças e, mesmo quem se declarava católico “praticante” não titubeava em procurar uma benzedeira ou em fazer uma simpatia. Ao contrário do que pode parecer, isso não significava a falta de uma identidade definica; era a própria identidade nacional que se definia. Dessa maneira, variados cultos proliferaram pelo Brasil afora – como o Catimbó, o Batuque, o Tambor de Mina e o Xangô (o culto, não o Orixá), sem falar nas macumbas cariocas, que embora alguns estudiosos afirmem que ainda não fossem designadas como Umbanda, já apresentavam todo o esboço de sua liturgia.
Embora o Espiritismo estivesse inserido na mentalidade da população brasileira, ele era praticado principalmente pela classe média – que tinha mais acesso às obras literárias dessa doutrina, e que carregava consigo seus conceitos e preconceito. Foi dentro desse contexto que o jovem Zélio Fernandino de Moraes, em 1908, contando com dezessete anos de idade, incorporou, em uma mesa espírita, o Caboclo das Sete Encruzilhadas (um espírito indígena, mas que segundo um médium vidente, assemelhava-se, pelas vestes, a um sacerdote católico) que, diante da reação dos presentes, que não aceitavam a manifestação de espíritos de índios e negros escravos, declarou que estava fundada ali a Umbanda, “uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados”. Para muitos esse fato é tido como a fundação da Umbanda, para outros ela já existia na prática há muito tempo, sendo essa passagem apenas mais uma manifestação de um caboclo, espírito tão comum em seus rituais. A verdade é que, sendo o Caboclo das Sete Encruzilhadas o fundador ou não, a Umbanda é o próprio retrato do Brasil, do processo histórico que o marcou tão profundamente, dos povos que o construíram, da identidade que assumiu para si. Assim como o povo brasileiro, a Umbanda é diversa, contendo em si elementos de diversas crenças que existem no país: a pajelança, o culto aos Orixás, o Catolicismo, o Espiritismo. Históricamente falando, a Umbanda é brasileira em sua essência, pois carrega consigo cada traço e cada cicatriz do povo que construiu o Brasil, suas crenças, seus hábitos e sua fé, mas também é universalista por excelência, pois agrega elementos de diversas partes do mundo. Do primeiro contato entre os diferentes povos e sua diversidade surgiu a Umbanda, ainda hoje presente de maneira discreta – às vezes nem tanto – em todas as regiões do país.
Douglas Fersan
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Umbanda é religião, portanto tem história - por Alexandre Cumino
Umbanda é religião, portanto tem História !
História se faz com fatos, nem com mitos e muito menos com "achologia".
A Umbanda nasce para o plano material no momento em que é organizado seu ritual e criado o primeiro templo, terreiro ou se preferir Tenda de Umbanda...
A umbanda não nasce da incorporação de caboclo e preto velho... pois isso existia e sempre existiu pois todos somos e sempre fomos médiuns... desde que o mundo é mundo o homem incorpora e se comunica com os espíritos...
Logo a Religião de Umbanda nasce com o primeiro templo fundado por
Zélio Fernandino de Moraes... que anuncia incorporado do Caboclo das Sete Encruzilhadas a nova religião... no dia 15 de Novembro de 1908...
E com estas palavras define:
Umbanda é a manifestação do espirito para a pratica da caridade
e complementa:
Com quem sabe mais vamos aprender e a quem sabe menos vamos ensinar...
a ninguém vamos virar as costas...
Seu Templo se chama Tenda Espirita Nossa Senhora da Piedade...
Existe até hoje e tem sua Neta Lygia Cunha como atual dirigente, em Boca do Mato, Cachoeiras de Macacu - RJ
Isto é historia, agora quem quiser crer em fantasias e outros contos baseados em imaginação e desconhecimento destes fatos que fique a vontade...
Os que creem que Umbanda já existia porque caboclo e pretovelho já incorporavam... então devem crer que catimbo, jurema, pajelança, candomblé de caboclo, cabula, encantaria e outros cultos mediúnicos com caboclo e pretovelho sejam a mesma coisa que Umbanda...
Parecido não é Igual... Umbanda é Unica, com uma diversidade muito menor do que parece ter... É a religião do Caboclo e do Pretovelho falada em língua portuguesa e ritualizada em torno do atendimento caritativo... estruturada em templo que separa consulencia de corpo mediúnico...
São peculiaridades e nuances como estas que definem a unidade da Umbanda em meio ao que se chama de diversidade... quem nem é tão diversa assim, mas que reflete algo comum em religião. São muitos budismos, cristianismo, islamismos, judaísmos... e muitas Umbandas como expressões de uma unica Umbanda...
Parabéns Umbanda
Alexandre Cumino
sábado, 12 de novembro de 2011
As esquisitices do religioso brasileiro - por Jairo Pereira Jr
Todos acreditam ser donos da verdade. Talvez essa afirmação seja a única verdade que todos concordam. O título desse artigo, meu irmão, é que todos aqueles que usam a religião como escudo e arma de ataque caem nessa máxima.
Esquisito acreditarem que as suas verdades são absolutas. Alguns decoram trechos da bíblia para justificar tais verdades e as impor, sem respeitar a ninguém, nem a liberdade de discordar das pessoas.
Mas você que está lendo este artigo deve pensar: “O que há de esquisito nisso? Afinal desde que o mundo é mundo existe uma imposição de verdades de alguns.” O fato é que hoje somos livres para pensar e questionar, e o fato de ser umbandista, pratico uma religião que permite meu livre pensamento. Assim, responderei citando alguns dos absurdos que tenho visto, lido e presenciado nos últimos dias e que agora me fez desabafar.
Com a proliferação das igrejas evangélicas neopentecostais muitos jargões surgiram e são exibidos nos automóveis: “Deus é Fiel”, “Dirigido por mim, mas guiado por Deus”, “Presente de Deus”, “Família de Jesus” entre outros tantos.
Apesar de discordar e me incomodar pela forma equivocada que as frases que fazem apologia a esta ou aquela fé são colocadas, pois, apesar de não ser professor da língua portuguesa, acredito que a maioria tem um erro grave de colocação, pois Deus não tem que ser fiel e sim você tem que ser fiel a Deus, ou ainda se Deus te deu um carro porque você tem que pagar o financiamento?
Parece bobeira ou para alguns uma heresia, mas são coisas que me incomodam muito as pessoas falarem besteira e ninguém questionar. Meu pai sempre disse que é melhor ficar quieto e todos pensarem que você é um idiota do que você abrir a boca e todos terem certeza.
Mas as piores ainda estão por vir. Dias atrás enquanto dirigia pela cidade de Santo André, aqui no ABC paulista, o carro que estava a minha frente exigia a mensagem: “Deus odeia os injustos”.
Fiquei indignado. Como assim Deus odeia? Como Deus pode ser dotado de sentimento tão humano e mesquinho? Afinal, se essas próprias pessoas pregam que Deus é amor, como pode Ele odiar? Ou a mensagem de que Deus é Amor seja só marketing religioso?
E para piorar, o carro que levava tal frase, ao pararmos no semáforo, em fila indiana, em que tinha quatro ou cinco carros a nossa frente, cortou pela esquerda e passou no farol vermelho. Essa injustiça com todos os que esperavam em fila pacientemente o farol abrir, será que foi odiada por Deus?
Os outros relatos que quero compartilhar são os absurdos que presenciei na escola estadual que trabalho.
A professora de Educação Física tentou trabalhar uma das instruções propostas pela Secretaria da Educação e recebeu uma carta de um pastor de uma determinada igreja dizendo que o aluno Fulano de Tal estava proibido de fazer ou praticar aquele conteúdo da matéria e ainda desaconselhava que a professora não levasse em frente o conteúdo, pois aquilo desagradaria a Deus e que o conteúdo proposto pela professora era coisa do espiritismo, logo, coisa do demônio. O conteúdo proposto pela professora: A Capoeira.
No fim de Outubro, a professora de Inglês além de tentar ensinar algo do idioma, tentava ensinar algo da cultura americana e inglesa quando recebeu o recado de uma mãe com uma citação do livro de Deuteronômio que diz: “Que não tenha entre vocês... nem bruxo... nem mágico... porque todos os que fazem essas coisas são maus para o Senhor...” e a mãe ainda lançou um post numa rede social com os seguintes dizeres: “Diga não ao dia das bruxas (halloween). Se não agrada a Deus... Tô Fora!!!”
Tais fatos chamaram minha atenção por ao meu ver ser fruto das esquisitices daquele que se diz religioso, pois na maioria das vezes são preconceituosos, irresponsáveis e desrespeitam a tudo e a todos por se acharem donos da verdade em nome de sua fé cega e irracional.
Jairo Pereira Jr
sábado, 5 de novembro de 2011
Raíz e Fé - um estudo sobre a Umbanda (parte 1) - por Douglas Fersan
Transcrevo a seguir, a primeira parte de uma série de textos que produzi a partir de estudos e reflexões sob o prisma sociológico/histórico sobre a Umbanda e crenças populares. Ao conjunto desses textos dei o nome de Raiz e fé, cuja única pretensão é instigar o debate acerca da Umbanda e ritos similares, bem como tirar alguns estigmas próprios do senso comum. Pretendo publicar gradualmente esses textos. Àqueles que pretendem reproduzi-los em outros blogs e sites, peço apenas que citem a fonte.
Douglas Fersan.
Introdução
Inúmeras vezes me encontrei enredado em debates sobre a literatura umbandista e quase sempre encontrei opiniões extremamente sectárias (e negativas) sobre o tema. Apropriando-se de argumentos baseados em um tradicionalismo quase ortodoxo, os opositores desse segmento literário defendem a idéia de que a Umbanda só pode – ou só deve – ser aprendida dentro dos terreiros, “aos pés das entidades”.
Obviamente que estão cobertos de razão quando fazem tal afirmação, pois os chamados fundamentos da religião, bem como os rituais magísticos nela praticados, são de interesse e responsabilidade dos envolvidos em tais procedimentos e seria uma verdadeira leviandade torná-los públicos ao leigo, como quem prescreve receitas culinárias. Diz um antigo ditado que a Umbanda é séria para gente séria, e é com a devida seriedade que devemos abordar o assunto, principalmente ao transformá-lo em domínio público.
Apesar de concordar com a postura acima citada, uma certa inquietação sempre se fez presente quando me via envolvido nessa questão. Como sociólogo, pedagogo e historiador me questionava quanto aos limites da literatura sobre a Umbanda e outros ritos praticados no Brasil. Nunca consegui enxergar os livros como detratores dessa crença. O que me parecia muito óbvio era a existência de uma nítida diferença entre autores que se aproveitavam do desconhecimento do leigo e da euforia do neófito para publicar e vender livros que ensinam supostos “feitiços” a fim de enriquecer, vingar-se dos desafetos e conseguir sorte no amor e de autores que visavam preservar a memória dos cultos afro-ameríndios aqui praticados. Não se pode confundir escritores (e suas obras) como Alexandre Cumino (A História da Umbanda – um verdadeiro marco no resgate de nosso passado ritualístico) ou Diamantino Fernandes Trindade com aqueles que publicam livretos que ensinam os desavisados (e despreparados) como fazer sua macumba em casa. Misturar essas duas formas de ver e escrever a Umbanda é, no mínimo, ingenuidade, para não dizer irresponsabilidade. É preciso compreender os diferentes níveis de pensamento, nesse caso tão gritantes.
Talvez seja justamente a mistura de minha formação religiosa (Umbanda) com minha formação acadêmica (Sociologia, Pedagogia e História) que me causa a inquietação já descrita. Certa vez, numa entrevista online, fui questionado sobre minha postura enquanto religioso e sociólogo, como se não fosse possível tal coexistência. Longe de caracterizar uma contradição, acredito que isso constitui uma característica peculiar, pois o olhar científico me faz crítico perante a religião, não aceitando qualquer dogma ou senso comum como verdade absoluta, ao mesmo tempo em que me livra de um ceticismo desnecessário frente aos fenômenos espirituais. E, provavelmente, essa é a causa da minha inquietação quando se fala em livros.
Antes de queimá-los em praça pública, devemos saber qual seu objetivo. O que seria da memória nacional se não existissem os registros?
Aos defensores da perpetuação da tradição através da oralidade, é bom lembrar que as informações deturpam-se com o tempo e com as diferentes interpretações. Estudar nossa memória é mantê-la viva, é manter o respeito aos cultos que ajudam a formar a complexa identidade nacional.
É dentro dessa linha de raciocínio que muito pretensiosamente me dispus a escrever essa “obra” (entre aspas mesmo). Encarei a difícil tarefa de analisar alguns pontos da religião que professo, através do prisma histórico e sociológico, praticando o olhar de estranhamento, crítico e isento, colocando de lado qualquer paixão ou opinião pessoal e, principalmente o senso comum. Pretendo expor alguns aspectos interessantes da Umbanda e das tradições espiritualistas brasileiras como forma de contribuir, ainda que minimamente, para o seu entendimento, sem qualquer tentativa de doutrinar ou impor minhas verdades pessoas.
O objetivo é tratar a Umbanda como coisa séria.
Douglas Fersan
Douglas Fersan.
Introdução
Inúmeras vezes me encontrei enredado em debates sobre a literatura umbandista e quase sempre encontrei opiniões extremamente sectárias (e negativas) sobre o tema. Apropriando-se de argumentos baseados em um tradicionalismo quase ortodoxo, os opositores desse segmento literário defendem a idéia de que a Umbanda só pode – ou só deve – ser aprendida dentro dos terreiros, “aos pés das entidades”.
Obviamente que estão cobertos de razão quando fazem tal afirmação, pois os chamados fundamentos da religião, bem como os rituais magísticos nela praticados, são de interesse e responsabilidade dos envolvidos em tais procedimentos e seria uma verdadeira leviandade torná-los públicos ao leigo, como quem prescreve receitas culinárias. Diz um antigo ditado que a Umbanda é séria para gente séria, e é com a devida seriedade que devemos abordar o assunto, principalmente ao transformá-lo em domínio público.
Apesar de concordar com a postura acima citada, uma certa inquietação sempre se fez presente quando me via envolvido nessa questão. Como sociólogo, pedagogo e historiador me questionava quanto aos limites da literatura sobre a Umbanda e outros ritos praticados no Brasil. Nunca consegui enxergar os livros como detratores dessa crença. O que me parecia muito óbvio era a existência de uma nítida diferença entre autores que se aproveitavam do desconhecimento do leigo e da euforia do neófito para publicar e vender livros que ensinam supostos “feitiços” a fim de enriquecer, vingar-se dos desafetos e conseguir sorte no amor e de autores que visavam preservar a memória dos cultos afro-ameríndios aqui praticados. Não se pode confundir escritores (e suas obras) como Alexandre Cumino (A História da Umbanda – um verdadeiro marco no resgate de nosso passado ritualístico) ou Diamantino Fernandes Trindade com aqueles que publicam livretos que ensinam os desavisados (e despreparados) como fazer sua macumba em casa. Misturar essas duas formas de ver e escrever a Umbanda é, no mínimo, ingenuidade, para não dizer irresponsabilidade. É preciso compreender os diferentes níveis de pensamento, nesse caso tão gritantes.
Talvez seja justamente a mistura de minha formação religiosa (Umbanda) com minha formação acadêmica (Sociologia, Pedagogia e História) que me causa a inquietação já descrita. Certa vez, numa entrevista online, fui questionado sobre minha postura enquanto religioso e sociólogo, como se não fosse possível tal coexistência. Longe de caracterizar uma contradição, acredito que isso constitui uma característica peculiar, pois o olhar científico me faz crítico perante a religião, não aceitando qualquer dogma ou senso comum como verdade absoluta, ao mesmo tempo em que me livra de um ceticismo desnecessário frente aos fenômenos espirituais. E, provavelmente, essa é a causa da minha inquietação quando se fala em livros.
Antes de queimá-los em praça pública, devemos saber qual seu objetivo. O que seria da memória nacional se não existissem os registros?
Aos defensores da perpetuação da tradição através da oralidade, é bom lembrar que as informações deturpam-se com o tempo e com as diferentes interpretações. Estudar nossa memória é mantê-la viva, é manter o respeito aos cultos que ajudam a formar a complexa identidade nacional.
É dentro dessa linha de raciocínio que muito pretensiosamente me dispus a escrever essa “obra” (entre aspas mesmo). Encarei a difícil tarefa de analisar alguns pontos da religião que professo, através do prisma histórico e sociológico, praticando o olhar de estranhamento, crítico e isento, colocando de lado qualquer paixão ou opinião pessoal e, principalmente o senso comum. Pretendo expor alguns aspectos interessantes da Umbanda e das tradições espiritualistas brasileiras como forma de contribuir, ainda que minimamente, para o seu entendimento, sem qualquer tentativa de doutrinar ou impor minhas verdades pessoas.
O objetivo é tratar a Umbanda como coisa séria.
Douglas Fersan
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
Finados - fim de quê? - por Douglas Fersan
Algumas datas e situações são tratadas como sagradas. Uma aparente aura imaculada, na verdade um tabu, parece pairar sobre determinados assuntos, cuja contestação parece ofender as mais profundas tradições.
É óbvio que tenho muito respeito pela dor alheia, assim como respeito também a forma como ela se manifesta em datas como o dia de finados. Mas não consigo me comover com essa data.
Talvez alguém se espante com o fato de um umbandista dizer que não se abala com o dia de finados. Mas entendo o termo “finado” como algo que se esgotou, que chegou ao fim, que não existe mais. E a existência daqueles que amei e continuo amando não chegou ao fim, pelo menos não acredito nisso. E o fato de ser umbandista só reafirma essa minha convicção.
Tive uma ligação muito forte com meus pais, mas nem por isso me abalo no dia dos pais ou das mães. Além de saber que são datas criadas com fins comerciais, tenho meus pais em grande estima todos os dias, mesmo eles já tendo feito sua passagem há tantos anos. A saudade que sinto deles é a mesma, independente da data.
Mas o dia de finados constitui algo diferente, ao mesmo tempo mórbido e especial. Longe de querer criticar quem se comove e se mobiliza nesse dia (afinal cada um tem sua forma individual de manifestar os sentimentos), mas não consigo me inserir nessa peregrinação aos cemitérios a fim de manifestar a saudade e o respeito àqueles que partiram para o plano espiritual. Como umbandista não vejo a morte como um fim, e sim como uma etapa inevitável e talvez sucessiva, dependendo do progresso moral de cada um. Vejo o ser humano, a mais complexa criação divina, como algo muito além da matéria – pensamento e espírito são, na minha concepção, coisas que transcendem o fim da carne, que sobrevivem a qualquer revés e, mesmo que não atingindo os graus mais elevados da chamada evolução, continuam a existir. Sendo assim, o que me levaria a peregrinar a um cemitério a fim de cultuar a única parte que acredito não ser eterna no ser humano? Não me faz sentido.
Prefiro tratar bem, com respeito e amor, aqueles que me são caros ainda em vida, do que levar-lhes flores em datas pré-estabelecidas após sua morte. Não quero reverenciar e amar uma lápide, prefiro dedicar meu tempo e meus sentimentos àqueles que amo enquanto ainda posso vê-los e tocá-los. Após partirem, vou continuar a amá-los, mas demonstrarei isso através das minhas preces e dos meus pensamentos, que serão diários e feitos em qualquer lugar, não necessariamente num cemitério. Aqueles que amo não findam, não acabam, nunca serão finados, pois tenho convicção na continuidade de sua existência, ainda que ela não seja tangível para mim.
A Umbanda me dá a fé e a força para seguir adiante, na luta cotidiana, mesmo sem a força dos entes queridos que me davam sustentação. E essa força recebo todos os dias, através da fé, dos orixás, das entidades e, quem sabe, até mesmo desses entes queridos, que quiçá já tenham atingido a luz necessária para me levantar quando preciso. E essa força eu encontro no elo que ainda me liga a eles, independente do dia ou do lugar. Encontro essa força porque a Umbanda me dá a certeza de que não existem finados. Existe a força infinita do amor, que mantém sempre unidas as pessoas que se amam verdadeiramente.
Salve todos nossos ancestrais, vivos em nossas tradições e corações.
Salve o amor infinito que une o mundo espiritual e o material.
Saravá a Umbanda.
Douglas Fersan
02/11/2011
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