sábado, 5 de novembro de 2011

Raíz e Fé - um estudo sobre a Umbanda (parte 1) - por Douglas Fersan

Transcrevo a seguir, a primeira parte de uma série de textos que produzi a partir de estudos e reflexões sob o prisma sociológico/histórico sobre a Umbanda e crenças populares. Ao conjunto desses textos dei o nome de Raiz e fé, cuja única pretensão é instigar o debate acerca da Umbanda e ritos similares, bem como tirar alguns estigmas próprios do senso comum. Pretendo publicar gradualmente esses textos. Àqueles que pretendem reproduzi-los em outros blogs e sites, peço apenas que citem a fonte.

Douglas Fersan.




Introdução

Inúmeras vezes me encontrei enredado em debates sobre a literatura umbandista e quase sempre encontrei opiniões extremamente sectárias (e negativas) sobre o tema. Apropriando-se de argumentos baseados em um tradicionalismo quase ortodoxo, os opositores desse segmento literário defendem a idéia de que a Umbanda só pode – ou só deve – ser aprendida dentro dos terreiros, “aos pés das entidades”.

Obviamente que estão cobertos de razão quando fazem tal afirmação, pois os chamados fundamentos da religião, bem como os rituais magísticos nela praticados, são de interesse e responsabilidade dos envolvidos em tais procedimentos e seria uma verdadeira leviandade torná-los públicos ao leigo, como quem prescreve receitas culinárias. Diz um antigo ditado que a Umbanda é séria para gente séria, e é com a devida seriedade que devemos abordar o assunto, principalmente ao transformá-lo em domínio público.

Apesar de concordar com a postura acima citada, uma certa inquietação sempre se fez presente quando me via envolvido nessa questão. Como sociólogo, pedagogo e historiador me questionava quanto aos limites da literatura sobre a Umbanda e outros ritos praticados no Brasil. Nunca consegui enxergar os livros como detratores dessa crença. O que me parecia muito óbvio era a existência de uma nítida diferença entre autores que se aproveitavam do desconhecimento do leigo e da euforia do neófito para publicar e vender livros que ensinam supostos “feitiços” a fim de enriquecer, vingar-se dos desafetos e conseguir sorte no amor e de autores que visavam preservar a memória dos cultos afro-ameríndios aqui praticados. Não se pode confundir escritores (e suas obras) como Alexandre Cumino (A História da Umbanda – um verdadeiro marco no resgate de nosso passado ritualístico) ou Diamantino Fernandes Trindade com aqueles que publicam livretos que ensinam os desavisados (e despreparados) como fazer sua macumba em casa. Misturar essas duas formas de ver e escrever a Umbanda é, no mínimo, ingenuidade, para não dizer irresponsabilidade. É preciso compreender os diferentes níveis de pensamento, nesse caso tão gritantes.

Talvez seja justamente a mistura de minha formação religiosa (Umbanda) com minha formação acadêmica (Sociologia, Pedagogia e História) que me causa a inquietação já descrita. Certa vez, numa entrevista online, fui questionado sobre minha postura enquanto religioso e sociólogo, como se não fosse possível tal coexistência. Longe de caracterizar uma contradição, acredito que isso constitui uma característica peculiar, pois o olhar científico me faz crítico perante a religião, não aceitando qualquer dogma ou senso comum como verdade absoluta, ao mesmo tempo em que me livra de um ceticismo desnecessário frente aos fenômenos espirituais. E, provavelmente, essa é a causa da minha inquietação quando se fala em livros.

Antes de queimá-los em praça pública, devemos saber qual seu objetivo. O que seria da memória nacional se não existissem os registros?
Aos defensores da perpetuação da tradição através da oralidade, é bom lembrar que as informações deturpam-se com o tempo e com as diferentes interpretações. Estudar nossa memória é mantê-la viva, é manter o respeito aos cultos que ajudam a formar a complexa identidade nacional.

É dentro dessa linha de raciocínio que muito pretensiosamente me dispus a escrever essa “obra” (entre aspas mesmo). Encarei a difícil tarefa de analisar alguns pontos da religião que professo, através do prisma histórico e sociológico, praticando o olhar de estranhamento, crítico e isento, colocando de lado qualquer paixão ou opinião pessoal e, principalmente o senso comum. Pretendo expor alguns aspectos interessantes da Umbanda e das tradições espiritualistas brasileiras como forma de contribuir, ainda que minimamente, para o seu entendimento, sem qualquer tentativa de doutrinar ou impor minhas verdades pessoas.

O objetivo é tratar a Umbanda como coisa séria.


Douglas Fersan

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