terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
A revolução umbandista - por Alexandre Cumino
Umbanda sempre foi e sempre será: paz, amor e caridade. Seu fundamento básico nunca muda: “Umbanda é a manifestação do espírito para a prática da caridade”.
Creio que nunca será demais repetir essas palavras, que são do primeiro umbandista, Zélio de Moraes, incorporado do Caboclo das Sete Encruzilhadas, em 1908. Essa é a nossa base fundamental, nosso alicerce, nossa unidade, que se completa com essa frase: “com quem sabe mais vamos aprender, a quem sabe menos vamos ensinar e a ninguém virar as costas”.
Zélio de Moraes e o Caboclo das Sete Encruzilhadas anunciaram a nova religião de uma forma muito simples. Seus fundamentos maiores dizem respeito à essência da caridade espiritual e ao ato de incorporar entidades que se agrupam nas linhas de trabalho (caboclo, preto-velho...) e dentro de uma liturgia, um ritual, que acontece dentro de um templo (tenda, centro, terreiro...).
Sem dogmas ou tabus, a Umbanda se manifesta diversa, mantendo sua unidade essencial, que é em si seus fundamentos básicos.
Dentro desse contexto, há espaço para que essa religião acompanhe a evolução dos tempos sem choques entre a doutrina e a modernidade, por exemplo. A sociedade evolui como um todo e a Umbanda tem condições de evoluir junto, reciclar-se e renascer a cada período. Estamos atualmente num desses períodos de mudança, na sociedade e na Umbanda.
Uma revolução pacífica e silenciosa está acontecendo na religião. Podemos observar aos poucos uma mudança de perfil e comportamento dentro da Umbanda.
Cada vez menos temos ouvido a frase: “Eu não sei nada, meu guia é quem sabe tudo”.
A ideia de que um médium não deveria estudar, para não atrapalhar o trabalho de seu guia, está cada vez mais caindo por terra e fora da realidade. Quem atrapalha, interfere ou mistifica, faz com ou sem informação, pois é um sinal de desenvolvimento às pressas ou falta de ética ou bom senso. Não estudar sempre será sinal de ignorância.
As tradicionais respostas: “você ainda não está pronto para este conhecimento” ou “ainda não é hora de você aprender tal fundamento”, para todos os questionamentos dos médiuns, já não encontram muito espaço na Umbanda.
Sonegar informação, manipular pessoas com tirania, coerção, usando um poder que não lhe pertence de fato, ou abusar de um “segredo” como instrumento de um poder efêmero já não cabe na Umbanda e não funciona com essa geração, ligada na internet e no Google.
Essa nova geração cresceu lendo livros de Umbanda, consultando a internet e perguntando o porquê de cada fundamento. Cada vez mais os sacerdotes de Umbanda devem se preparar para escolher bem e estar à altura dessa nova geração, afinal essa é a geração que vai reconstruir a Umbanda no futuro, e só nos cabe optar por aceitar e participar, ou nos colocar no ostracismo de “múmias” de um tempo perdido, no qual tudo era dogma, segredo ou tabu.
De tempos em tempos a Umbanda se recicla.
Do seu início acanhado de 1908 a 1920,seguiu uma multiplicação primeira de 1930 a 1940, houve uma grande expansão de 1940 a 1970 e o grande esvaziamento da religião entre 1980 e 1990.
Agora a Umbanda vive um período único de amadurecimento e expansão lenta em passos firmes. Estamos aos poucos vencendo o preconceito e mostrando à sociedade o que é Umbanda. Cada um de nós umbandistas é um formador de opinião, não podemos nos omitir e temos a responsabilidade de nos preparar cada vez mais para esclarecer aos que nos cercam e a nós mesmos.
Hoje temos bons cursos, livros e jornais, como este, Jornal de Umbanda Sagrada, que tem distribuição gratuita há mais de dez anos, divulgando os princípios e fundamentos da religião de Umbanda. Só não se informa quem não quer.
Continua valendo o velho adágio: “quem não vem pelo amor, vem pela dor”. Mas agora, nas palavras do irmão Adriano Camargo, temos a terceira via, a do conhecimento. Muitos chegam à Umbanda por meio do conhecimento, com sede de saber, e encontram em seu seio informação para o corpo, mente, espírito e coração.
O jovem umbandista, o adolescente, já chega dentro e inserido nessa realidade, nessa “revolução umbandista”.
Graças a Deus e aos Orixás, alguns visionários como Pai Ronaldo Linares e Rubens Saraceni ouviram o chamado do astral e prepararam muitos médiuns e sacerdotes para dar o amparo intelectual, de conhecimento e cultura como berço da Umbanda que queremos... para muito além da Umbanda que temos, pois tudo evolui sempre.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
Umbanda e seu significado - por Ana Araújo
Você já parou para pensar o porquê de estar na Umbanda e não no evangelismo, catolicismo, espiritismo, budismo?
Para entender melhor isso, dentro do que nossa casa ensina, você precisa ir buscar um entender nas próprias identidades das entidades de Umbanda; Caboclos, negros Africanos, Crianças, Sertanejos, Ciganos, espíritos como Exus que trazem muito da magia ocidental européia, etc.
Existe um porque de cada entidade se identificar de uma forma, dentro de uma generalidade sempre sócio-cultural e/ou racial. E as respostas não estão em roupagem fluídica e disfarces espirituais de vestes X que o espírito usa quando quer, trocando conforme deseja para passar “mensagens” morais e filosóficas com elas. Mas por que?
Muitos espíritas alegam que seja pelo fato da entidade/espírito ser atrasado e preso ainda as vestes de sua encarnação passada. Mas pergunto: por um acaso, um espírito que se manifesta numa sessão espírita para aconselhamento dos adeptos e diz ser Padre João Antunes, também não está usando uma identidade encarnatória? Ou este espírito nunca teve outras existências e somente foi um padre, um homem chamado João Antunes? Claro que não. Ele pode ter sido um médico alemão, um soldado da primeira guerra mundial, um sapateiro judeu, um comerciante árabe, um aborígene australiano, etc. Mas porque se manifesta como João Antunes? Porque possivelmente está foi sua última encarnação ou possível a mais adequada a usar para cumprir seu trabalho junto ao nosso plano carnal. Poderíamos dizer que ele é atrasado porque é apegado a tal encarnação? Não.
Da mesma forma se processa com as entidades sejam de Umbanda, Jurema, encantaria, etc. Porém há grandes e viscerais diferenças que aí sim, separa uma doutrina de outra, fazendo com que sejam de naturezas completamente distintas; a questão da manifestação de grupos de espíritos sob um nome coletivo e uma relação ancestral com cada adepto e fluxo energético invocado e manipulado nessas religiões, pois todas elas, tem duplo caráter: natural (dos elementos da natureza) e espiritual (dos espíritos, incluindo os dos próprios adeptos).
Ao contrário do que muitos podem pensar, as entidades que se manifestam como caboclos, pretos velhos, boiadeiros, ciganos, etc. não são ignorantes e sabem perfeitamente de sua condição, de seu caráter espiritual e se reconhecem como espíritos possuídos de “muitas outras existências”. Já passaram do período de “perturbação pós- morten” e apresentam-se assim, por sua vontade de estar sob uma identidade de uma encarnação que, onde está ligada a seus descendentes familiares comuns aqui encarnados e estão ao seu auxílio e orientação.
Dentro desse panorama podemos entender que a Umbanda é um culto aos antepassados de múltiplas naturezas: a individual; onde a relação é entre adepto e suas entidades que se manifestam através de sua mediunidade, estabelecendo grupos familiares distintos, dentre outros adeptos e suas entidades também. Cada um pode trazer referências antepassadas diferentes e daí talvez possamos vislumbrar porque muitos Pretos velhos trazem em seus nomes, referências a locais africanos como: Congo, Guiné, Cambida, Mina, etc.
Mas assim como temos um caráter individual, temos também um caráter coletivo – espíritos ancestrais que trazem a sabedoria e ciência natural medicinal para a natureza do corpo que reveste nosso espírito. Como também uma reverência ao “espírito alma” de toda consciência antepassada que através da interatividade entre vários povos e inteligências, foram construindo o que hoje é o nosso lar, nosso mundo e toda a tecnologia, ferramentas e condições de melhoria de vida do homem na terra, contribuindo enormemente com o progresso de toda a humanidade. E nós, como almas velhas e também antepassadas de nossa terra, não estamos alheios a tudo isso. Fazemos parte dessa construção e quando cantamos, louvamos e referenciamos aos antepassados africanos, aos índios, mestiços, estamos também relembrando o que fomos, o que também somos nós, em outros estados de consciências e sabedoria secular. A Umbanda por si só, tem todo um caráter de culto e louvor, de integração com a natureza do meio ambiente, da natureza de nosso ser, em ressonância com nossa família ancestral.
O dia a dia de um Terreiro de Umbanda é FAMILIAR.
Todo o cotidiano de uma casa de Umbanda, assim como de Candomblé, é de cunho irretocavelmente FAMILIAR. A casa é mantida por todos e tudo é partilhado, dividido. Cada um sabe o seu papel e função dentro do grupo. Há sempre um “pai” ou mãe” daquela família que cuida dos filhos, sabe observar o que cada um tem de melhor e valorizar isso. Assim como sabe de suas limitações e tenta conduzi-lo para a superação e aprimoramento, respeitando os limites da natureza íntima de cada um. O objetivo primordial de uma família Umbandista, é estabelecer muito bem claro que ali há uma FAMÍLIA , em toda a concepção que essa palavra representa. E essa família tem duas naturezas; carnal e espiritual. A espiritual ajuda a unir os parentes encarnados e os guiam para o melhor ao nosso próprio caminhar encarnatório, para o grupo e para a humanidade, quando o grupo familiar está preparado para isso.
E o atendimento prestado aos necessitados que batem a porta da Umbanda tem grande valor. Primeiro que é o grande aprendizado para o médium, e todos os adeptos da casa. E segundo; não vamos esquecer que semelhante atrai semelhante. Podemos cruzar pelos terreiros, e suas giras de atendimentos por muitos irmãos de outrora, que atraímos para nós ou fomos atraídos, para ajudar a seguir adiante, pois como velhos conhecidos, sabemos mesmo que no inconsciente de suas necessidades.
Muitas pessoas vagam como almas moribundas e desorientadas, aqui e ali. Buscam soluções milagrosas aos seus problemas do dia a dia, querem ser ouvidas, compreendidas, afagadas. E muitos outros querem fazer da Umbanda e dos espíritos que ali trabalham como prestadores de serviços. E as causas são 90 por cento das mais egoístas e materialistas. Essas pessoas não despertaram para a importância espiritual e estão iludidas com o senso comum de séculos de preconceito contra as religiões de matrizes afro-brasileira, as tratando quem sabe, como os velhos senhorios que usavam as negras escravas para satisfazer suas vontades apenas e as deixavam como um objetivo de uso e descartável. Quando precisarem de novo, saberão onde buscar. Assim se comportam muitos e muitos que batem a porta dos terreiros. E lhes pergunto: você acha coerente: anos de dedicação, amor, abnegação ou limitações de várias coisas para se dedicar de corpo e alma a uma religião cujo único objetivo é curar a dor de barriga e vontades mesquinhas, vaidosas ou egoístas do maior percentual das pessoas que procuram os terreiros? Será que é pra isso que as entidades “baixam”? Para falar sobre futilidades; se fulano passará na prova, se cicrano está no curso certo, se deve casar, se o marido está traindo, se o bebê é menina, se o namorado voltará, como prender o amado, e pasmem; nesse tempo de mediunidade, até pedido para ajudar a ganhar na mega sena já presenciei. Nós estamos no terreiro para isso? Nossas entidades estariam? Elas atendem as pessoas conforme suas necessidades e não conforme elas querem. Por muitas vezes, tais diálogos do cotidiano servem como “pano de fundo” e através dele, vem tantas palavras e ensinamentos subliminares, mas que muitos ainda não tem capacidade de absorver, tão envolvido no imediatismo de sua própria vida materialista. Mas será que toda a dinâmica de interação entre médium, entidade, terreiro é algo muito mais profundo que isso, e a relação que para muitos é o objetivo primordial da Umbanda, que é a relação entidade-visitante é, na verdade, uma conseqüência de um processo muito mais íntimo entre adeptos e os mentores espirituais?
Entendam: muitos passarão pela Casa da Vovó Catarina, pela casa do Caboclo Sucuri, pelos Terreiros de Umbanda a fora, e muitos pegarão ou não algum ensinamento se tiver abertura para isso. E não irão voltar mais. Por que? Por duas pequenas razões: ali não é sua família espiritual, ou se é, ele ainda não está preparado para ver, enxergar e abraçar seus velhos irmãos, pais, avós, tios. Muitas e muitas voltas a vida pode dar, para anos ou décadas mais tarde, se estar quem sabe, pronto para estar no meio de sua família novamente. Ou então, sua família não está na nossa raiz, mas no budismo, no taoísmo, no catolicismo, evangelismo. Todas as religiões são raízes que nos conduzem aos troncos de registros mentais, que umas, mais que outras, estão em comunhão com o nosso atual estado mental-espiritual. E por isso, todas são maravilhosas. E quando você encontra sua família, como a sua vida se enche de alegria, de paz e contentamento. Eu encontrei a minha e isso preencheu e modificou minha vida e meu ser de forma sublime, e sei que ainda o modificará, pois muitas maravilhas ainda será despertada no seio de meus familiares ancestrais. Aqui é minha casa, é onde está minha alma, minha paz, minha alegria, minha força e entusiasmo de vida. E quando você encontrar sua casa, sua família, seus irmãos, pais, mães, avós, terá orgulho de dizer o que é, a qual família pertence, e o nome que ela tem. Da mesma forma que temos orgulho de dizer que somos filhos carnais de “João da Silva”, de “Maria de Sousa”, sentiremos orgulho também e não esconderemos que nossa família se chama Umbanda, que sua casa é X, que aquele Beltrano é seu Pai espiritual, que aquela é sua Irmã de fé. Mas enquanto não assumirmos verdadeiramente para nós primeiramente e para outros, o que somos espiritualmente falando, dentro de nós ainda está faltando a certeza de que ali está o seu amor, a sua alma, e que seu ser está entre parentes, entre irmãos, unidos pelo amor comum, pelo tronco familiar comum para trilharmos juntos essa grande aventura e fantástica viagem chamada VIDA. Este núcleo nos ajuda a nos compreendermos melhor, a entender o meio e nossa relação com ele. Ajuda-nos a harmonizar, a nos equilibrar e nos acolhe a alma para partilharmos momentos de vitórias, alegrias, e nos animar nos momentos de dificuldades e obstáculos. E ao contrário do que a maioria de fora (e diga-se de passagem, muitos de dentro também infelizmente) entende e quer fazer de nossa crença, um balcão de milagres e trabalhos de magia. Procuram a Umbanda para consultar as entidades e dirigentes espirituais para fazerem trabalhinhos para isso e aquilo, para o amor, para conseguir uma vaga acima da sua, para arrumar emprego, para passar numa prova, para tirar alguém de suas vidas, um rival, etc. Mas não esqueçam que a Umbanda é uma religião tal qual as outras; existem para nos conduzir ao equilíbrio e harmonia interior, a encontrar o sagrado divino dentro de nós e no plano invisível. Mas infelizmente muitos entendem que cuidar do espírito e “buscar a Deus” é na Igreja e na Umbanda você vai quando tiver precisando de um trabalhinho ou saber de alguma coisa. Na maioria das vezes, de caráter fútil e corriqueiro. E enquanto nós Umbandistas alimentarmos esse tipo de comportamento e não esclarecermos ou procurar promover uma “reeducação”, esse panorama não irá mudar. Mas irmãos, não nos esqueçamos que, a reeducação precisa começar de dentro para fora. Não adianta nada lutarmos em prol de movimentos contra intolerância, aceitação, se nós que somos “o movimento de umbanda”, continuarmos com visões, comportamentos e idéias distorcidas sobre nossas práticas e filosofia espiritual.
Não esqueçam que um Terreiro de Umbanda é um núcleo de irmãos, familiar nunca. E não um local onde você vai periodicamente "se tratar" porque assim "o orixá, o Exu X pediu e orientou. Não é local para simplesmente ir para tratar sua mediunidade porque não tem outro jeito e estão cobrando isso de você. Uma das bases filosóficas de nossa casa e de visceral importancia para nossa guia chefe, é justamente dar a liberdade de escolha para aqueles que ingressarem como adeptos de nossa casa, o faça por amor e afinidade com a religião e filosofia que nossa casa comunga. E não por obrigação e cobranças espirituais, seja de que ordem for. E a relação é superficial, até porque o indivíduo vai a contra gosto, porque se sente pressionado e acuado para ir, pois caso contrario entende que sua vida "irá dar pra trás e as doenças irão se instalar". E aquela pessoa não se integrará como membro de uma familia e sim, como visitante.
Mas deixemos esse assunto pra ser tratado com maior esmero em outra oportunidade. Voltando ao assunto: família, deixe-me perguntar:
E você? Já encontrou sua família e a assumiu pra si e para os que lhe são queridos? Pense, reflita, ouço o seu coração e ele te dirá. Por isso é tão importante não ter vergonha de ser o que é, o que pratica, pois se as pessoas ao seu redor lhe amam, mas amam de verdade, irão respeitá-lo pelas suas escolhas do que lhe faz feliz, do que lhe dá alegria e paz. Mas se esse reconhecimento não chegou e você ainda tem medo, vergonha, e não sabe exatamente o que dizer quando lhe perguntam sua religião, crença, algo dentro de você precisa ser Reconheça a sua família espiritual, se entregue a ela, e sinta a retribuição em amor e semelhança. E o resto acontecerá naturalmente, quando esse sentimento que você tem ai, quando essa memória que você tem adormecida despertar, você verá como é bom dizer: sou Umbandista por amor e para o amor dos meus antepassados, dos meus semelhantes, e de mim como ser antigo vivente no mundo. E quando este dia chegar, não importa se você é médium incorporativo, ou é se assistente de terreiro. Você de fato e sem reservas entendeu o significado da Umbanda em sua vida, em muitas vidas, em nossa terra. Porque ela, assim como muitas outras religiões e cultos, somente existe por uma coisa chamada tronco e memória ancestral que está em mim, em você e no espírito que baixa num terreiro dizendo se chamar Tupinambá. Até porque, se o povo africano não tivesse vindo para o Brasil, os nativos da terra, não fossem os índios, e nossos colonizadores não fossem portugueses, seríamos um povo de cara diferente, costumes e crenças diferentes. E pense se existiria a Umbanda como ela se manifesta hoje em nosso país. Porque a religião está interligada a formação de determinado povo, e por isso mesmo, é parte do estudo dos povos nas faculdades de ciências humanas. Não pensem que as religiões são puramente “transcendentais”, desvinculadas de nossas crenças e formação cultural como gente, cidadãos de determinada região. O meio influencia o todo e as religiões são expressão também dessa formação humana que começou a ser montada a muitos e muitos séculos atrás e por isso mesmo, tem seu caráter ancestral. Eu tenho orgulho de dizer: “sou afro-ameríndia, sou parte de todos os elementos, parte do criador, parte de ti, e você é parte de mim! Axé, Adupé, Saravá, Namastê, Shalon, Amém.
Ana Araújo
Somos um universo inteiro de inteligências, consciências, histórias, pois somos espíritos livres, e imortais. E quando todas as religiões do mundo acabar, quando o nosso próprio mundo acabar, ainda sim, existiremos e o que nos re- unirá, será justamente a nossa memória ancestral, e, é exatamente isso que nos dá e dará identidade e individualidade no meio de milhares e milhares de centelhas disformes de luz radiante.
sábado, 25 de fevereiro de 2012
História de um preto-velho - mais um conto de Fernanda Mesquita
Era um dia frio, como tantos outros na Serra de Petrópolis...
Lá iam os negros escravos cumprir com sua nova missão: ajudar a construção de uma passagem de linha férrea que ligasse o Rio de Janeiro à Serra da Estrela e assim, sua Majestade e toda a corte imperial poderiam enfim ter mais conforto para chegar às casas de veraneio que cresciam cada vez mais imponentes na Cidade Imperial.
-Socorro! - Gritava um escravo preso em um buraco que o capataz havia feito para que os negros fossem postos lá como forma de castigo e assim aprendessem que não havia outra alternativa a não ser trabalhar.
Só que este escravo já estava preso há dias, tinha fome, sede e as mãos sangravam devido ao trabalho excessivo a que fora exposto naqueles dias frios de Inverno.
Ninguém ouvia o negro escravo, pois os buracos eram feitos aos montes e distante da via férrea para que não houvesse contato com os outros escravos. Depois que o negro morria, jogavam terra em cima do buraco e, com o decorrer do tempo surgiu o “Cemitério dos Escravos”, como ficou conhecido mais tarde.
Mais de cem anos se passam...
-Estou cansada!Podemos parar aqui um pouco pra descansar? - Diz Ana para os outros dois amigos.
-Acho que sim! - Diz Alex - Creio até ser um ótimo lugar para acamparmos por hoje. Já vai escurecer, estamos caminhando desde o começo da Serra sem parar. Vamos ficar aqui hoje e continuar pela manhã bem cedo. Tudo bem pra você Raul?
-Por mim... - Resmungou Raul que não gostou nem um pouco da idéia de refazer a pé, a 845 metros de altitude o “caminho do ouro”, como ficou conhecido na época de D. Pedro II.
Os jovens armaram suas barracas, buscaram lenha e sentiam a brisa fria que já chegava, quando apareceu caminhando ao longe um senhor, que ao chegar perto dos meninos, perguntou:
-Posso me sentar um pouco em frente à fogueira que vocês fizeram pra me esquentar um pouco? Estou cansado...
O velho foi se sentando em um toco de árvore perto da fogueira e os jovens, sem entender de onde veio aquele velho, consentiram e fitaram-no por alguns minutos.
Antes que eles dissessem alguma coisa o Velho começou a falar:
-Lugar sofrido foi esse aqui, para satisfazê o bem estar dos brancos, muitos negros sofreram e morreram aqui, sabiam? Pés e mãos sangravam, mas o trabaio não podia parar, nem criança escapava do trabaio pesado . Tinham que carregar pedras e, muitas pedras foram colocadas em cima das “cova” onde jaziam os corpos dos escravos. As crianças não tinham trapos pra vestir e os mais véios muitas das veiz tinha que deitar sobre a criança pra mó dela não morre di frio... Fizeram uma Zenzala pra deixá os escravos por aqui mesmo,então sempre que dava,nóis pegava uns mato que desse pra cubri as criança que muitas das veiz morria di frio... Quando o capataz queria castiga nóis, tacava fogo nos mato que servia pra cubri as criança e deixava todo mundo trancafiado dentro da senzala, aspirando aquela fumaça toda, e muitas das veiz os pequeno morria porque num agüentava, né fio, a fumaçada que durava muitas horas... Triste di si vê, mas nóis num pudia grita nem fala nada, pra mó di num se jogado nas cova funda mato adentro e fica lá agonizando até a morte... Vida de nós foi sofrida, fios!
Com os olhos arregalados, diante do velho que ali falava, Raul disse:
-Mas, mas... você é... quer dizer era... um negro escravo? Você... - e, antes que ele concluísse, o velho com um meio sorriso falou:
-Sim fio! Sou um Preto-Velho escravo, que aqui muito sofreu e hoje venho através da Umbanda ajudar a todos que de mim precisam, e muitos outros igual a mim estão hoje ajudando num terreiro a praticá o amor, a caridade a todos que di nós precise viu, fio?
E, com a manhã chegando, o velho se levantou e foi caminhando pra dentro das matas.
Ana, completamente atordoada com tudo o que ouvira durante toda aquela noite, não teve tempo de temer aquele velhinho que mostrava nos olhos toda uma saga de vida sofrida e antes que ele sumisse na mata fria e úmida, ela gritou:
-Ei! Qual é o nome do Senhor?
-E o velho, já bem longe, gritou em voz bem firme:
-Pai Miguel é o meu nome.
Raul, não acreditando naquilo tudo, correu atrás do velhinho, achando tudo ter se tratado de uma brincadeira de muito mau gosto. Chegando no ponto que o velho sumiu, Raul topou em uma pedra e, olhando pra baixo viu escrito na pedra: ”P. Miguel.”
Alguns anos mais se passaram, quando os jovens, visitando um terreiro de Umbanda em uma festa em homenagem aos Pretos-Velhos, mais uma vez tiveram uma grande surpresa:
Lá na frente, um Preto-Velho comandava a gira e, com os olhos marejados de alegria dessa vez, disse:
-Que todos os fios que vieram aqui hoje consigam recebê as graças de Nosso Pai Maior, e que os véio que aqui estarão hoje, ajudem a todos suncês no caminho da evolução espiritual!
E o Nego Velho, olhando para os três que ali se encontravam no meio da multidão, que ansiava para entrar, ergueu os braços e falou:
-Venham cá meus fios, venham dá um abraço nesse Nego Véio, que esperava por suncês há muito tempo!
-E os três numa só vozsussuraram : ”Pai Miguel??!”
E foi assim que começou o caminho dos três jovens na prática da caridade naquele terreiro de Umbanda junto de Pai Miguel das Almas....
domingo, 12 de fevereiro de 2012
A casa do Barão - um conto de Fernanda Mesquita
-Não chore! - dizia Preta Zica ao escravo João preso pelo capataz por ter sido pego tomando o leite que acabara de ser tirado da vaca que pertencia ao Barão.
João havia sido preso a um elo de aço, entre tantos outros negros escravos que ficavam sob a casa do Barão de Águas Claras.
A maioria dos casarões da Corte Imperial situados a Rua Koeler, eram de pessoas da alta sociedade e amigos de D.Pedro II, esses,trancafiavam seus escravos sob os imponentes casarões, sendo um alçapão a única forma de se chegar até a “senzala improvisada” que ficava sob o assoalho das casas dos senhores de escravos,não havendo assim, possibilidade de fuga.
-Um dia hei de me vingar e colocar esses brancos malditos presos aqui onde me encontro hoje! Nesse dia eles sentirão na pele e pagarão seitil por seitil o que fazem com todos nós - dizia o escravo João, inconformado por ter sido preso tentando saciar a sua fome.
-Fio, não devemos ter sentimentos de ódio... que seja feita a vontade do Senhor...tenhamos fé! - dizia Preta Zica.
O inverno rigoroso da Cidade Imperial fazia com que muitos negros, que se encontravam presos pelas mais variadas formas pelo capataz do Barão, acabassem por adoecer, outras vezes até morrer devido às condições precárias de vida às quais eram impostos, padecendo de males como a pneumonia.
Em uma noite de chuva, o Barão precisou que seu capataz se ausentasse do casarão a fim de levar uma encomenda urgente a 20 quilômetros dali, ficando assim, sozinho np local.
Decorridas algumas horas, ele ouviu ruídos, murmurinhos e risadas que vinham da parte inferior da casa e, vendo que se tratava dos escravos, desceu até a “senzala” pra calar a boca dos negros insolentes. Mas chegando à parte de baixo, ele foi surpreendido por outros negros que o pegaram e rapidamente o colocaram preso ao lado do escravo João, que ria da situação.
-Seus insolentes! Quando o capataz voltar vocês pagarão com a vida!
E antes que o Barão tivesse tempo de dizer outra frase, eles pegaram um copo de vinho com veneno e fizeram o velho beber, vindo este a falecer em questão de minutos.
Nem todos os escravos que ali estavam conseguiram fugir, pois os mais debilitados sabiam que não conseguiram ir longe, então decidiram ficar e sorver da bebida letal, pois eles sabiam que não sobreviveriam quando o capataz retornasse ao casarão.
Passados muitos invernos desde aquela triste noite, e chegando nos dias atuais, veremos Pai Carlos, renomado Pai de Santo do Terreiro Luz Divina e mais doze médiuns indo até um Casarão para fazer uma limpeza espiritual a pedido de um casal atemorizado por espíritos em sua residência.
-Muito bem! Todos estão prontos para o início dos trabalhos?
-Espere! Que barulhos são esses vindos do assoalho da casa? - perguntou Antônio ao Casal que de pronto respondeu:
-Isso é pouco! Acho que deveriam ir lá embaixo onde era a “senzala” antes de começar qualquer coisa.
Ao que Pai Carlos autorizou, Antônio, um dos médiuns mais antigos, desceu juntamente com outros dois médiuns para tentar descobrir o que se passava lá embaixo.
Antônio nunca sentira vibração como aquela; o chão de terra batida mostrava traços de escravidão, com correntes enferrujadas, algumas poucas presas ainda a parede e, em um canto, uma coisa parecida com uma gaiola onde provavelmente ficavam os escravos quando eram castigados pelos seus senhores.
Vinham à mente de Antônio perturbações de diversas formas: escravos sendo açoitados e presos nas gaiolas até padecerem, mulheres negras pedindo água, muito choro, palavras de ódio, pedidos de vingança, visões distorcidas que o fizeram pedir ajuda de Pai Carlos.
Pai Carlos desceu até Antônio e depois de uma prece, ao que Antônio se sentiu melhor, o sacerdote começou os trabalhos daquela noite ali mesmo sob os olhos surpresos de todos.
O Preto-Velho de Antônio, foi para a parte superior da casa a fim de acender sete velas em um local específico para o bom andamento dos trabalhos e, ao que acendeu a última vela, veio uma ventania que apagou todas as outras ao mesmo tempo.
O Preto-Velho olhou para frente e avistou um homem de meia idade, branco e que parecia xingar alguém andando rápido como se estivesse à procura de algo ou alguém, sem nem perceber o Preto-Velho que ali estava.
-É......sussurrou o Preto-Velho...
Voltando à parte debaixo do casarão,os Pretos-Velhos que estavam fazendo a limpeza da casa, terminaram seus trabalhos e o Preto-Velho de comando disse aos médiuns que mantivessem os pensamentos elevados, pois havia escravos ali que, por terem tirado a própria vida antes da hora, ainda se encontravam presos naquele lugar e mais ainda, o espírito de um senhor que parecia ser o dono da casa, que não aceitava a situação em que se encontrava, vagava e precisava de muita oração, pois ele acreditava que se deixasse a casa, os escravos tomariam o lugar que era dele. E assim se passou uma longa noite de trabalhos espirituais a fim de findar ou pelo menos amenizar a situação em que se encontrava o casarão.
Mesmo com a ajuda de treze médiuns naquela noite na Casa do Barão, os donos decidiram por vender a propriedade para uma rede de hotéis, pois ficaram impressionados com tudo o que passaram desde o primeiro dia que pra lá se mudaram. O casarão passou por reformas e hoje recebe turistas de todo canto do país e do mundo.
Vocês devem estar se perguntando: E quanto ao Barão? A senzala ? Os escravos?
Bem, dizem os empregados que lá trabalham, que às vezes ouvem murmúrios que parecem vir da parte debaixo da casa e passos largos no cômodo onde dormia o Barão de Águas Claras.....
12/02/2012
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