domingo, 3 de fevereiro de 2013

Espírito tem forma? - por Douglas Fersan


Espírito tem forma? - por Douglas Fersan

Um tabu que permeia o meio umbandista é aquele sobre as imagens das entidades.  Como realmente seria o Caboclo Tupinambá?  Qual a aparência do Exu Marabô?  Com quem se parece o Preto Velho Pai João Benedito? 

Nossos olhos, extremamente humanos e carnais pedem uma representação - isso não acontece somente na Umbanda, a Igreja Católica faz uso das imagens há séculos a fim de estabelecer um elo entre o fiel, sua fé e o santo representado.  O princípio dessa lógica na Umbanda não é muito diferente, porém temos, em nossa religião, uma particularidade a essa respeito.

Em primeiro lugar, sabemos que as entidades de Umbanda trabalham em falanges, isso significa, na prática, que não existe apenas um Caboclo Tupinambá, um Exu Marabô ou um Preto Velho Chamado Pai João Benedito.   Existem sim várias -  centenas ou milhares - entidades que trabalham em cada uma dessas falanges e, como a Umbanda é uma religião que prima pela humildade, pelo trabalho sem estrelismos, cada um dos trabalhadores dessas falanges assume o nome de seu líder.  Isso explica porque baixam dois, três ou mais Zés Pelintras num mesmo terreiro, no mesmo momento: porque são diversos trabalhadores da mesma falange usando o mesmo nome.

Mas e quanto à sua forma física?  Ou melhor, quanto à sua forma espiritual?  Será que todos aqueles que se apresentam como Zé Pelintra são negros e vestem terno branco e chapéu panamá?  Se houver essa regra quanto à aparência, algo não faz sentido nessa história de os espíritos trabalharem em falanges.

Uma coisa que chama a atenção é o fato de os caboclos, que representam e estereótipo do nativo brasileiro, ser muitas vezes representados como os caciques estadunidenses, com aqueles cocares típicos que se arrastam ao chão.  Mais alguma coisa não faz sentido.

É provável que as pombogiras sejam realmente bonitas, isso faz parte do seu estereótipo, mas por que será que alguns insistem em representá-las, tanto nas pinturas como nas imagens de gesso, com roupas vulgares (diferente de sensuais) e às vezes até seminuas?  Será que alguns umbandistas querem reforçar o senso comum de que elas eram prostitutas.  Erro crasso, e se alguém discordar, que venham as pedras, não caio no senso comum.

Os compadres exus provavelmente são os que mais sofrem com as deturpações sobre a sua imagem.  Basta ir a uma loja de artigos de Umbanda para encontrarmos imagens de exus com chifres, pernas de bode e rabo com uma seta na ponta.  Existe até uma explicação histórica para isso: a fim de manter os intolerantes afastados, usava-se essas imagens para assustá-los e evitar que profanassem os trabalhos entregues em encruzilhadas e outros pontos de força.  Porém essa interpretação das coisas parece ter apenas se reforçado com o tempo.  Tendo exu um caráter extrovertido, talvez até tenha se divertido (e se utilizado) dessa situação em algum momento, mas não podemos tomar isso como via de regra.

Certa vez, conversando com o Exu Pimenta, ele me disse ser um senhor muito respeitável e como tal, gostava de estar sempre elegante e com boa aparência, mas que as pessoas insistiam em representá-lo de uma forma assustadora.  Disse que o seu trabalho independia dessa imagem que haviam criado para ele, mas que havia um equívoco nela.

Muitas vezes esquecemos que espírito não tem forma, é energia.  É provável que muitas vezes assuma a forma que lhe convém.  Mas que fique bem claro: que convém a ele, e não a nós, que temos a infantil tendência de mistificar e folclorizar as entidades que tanto nos servem.  Um pouco de estudo e critério nesse assunto com certeza nos seria útil, pois nos faria mais respeitados se fôssemos menos folclóricos.

Umbanda é religião, não é folclore.

Douglas Fersan.

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