sexta-feira, 1 de abril de 2011
A difícil e gratificante tarefa de ser umbandista - por Douglas Fersan
Não raramente observamos, de dentro da gira de Umbanda, o neófito na religião, ainda na assistência, completamente deslumbrado com o “espetáculo” espiritual que se descortina diante de seus olhos.
A roupa branca, apesar da simplicidade, fascina. É como uma farda dos soldados que trabalham incansavelmente em nome de Aruanda e sua lei. O novato anseia por vestir o branco, sem saber que a farda muitas vezes torna-se um fardo, pois é preciso honrá-la, e essa tarefa para nós, seres imperfeitos e ainda caminhando lentamente rumo à evolução, não é tão simples. Não é nada fácil carregar o título (e por que não dizer o estigma?) de ser umbandista, pois tão atacada que é nossa religião, temos o dever de manter um comportamento digno, ilibado e acima de suspeitas, pois somos o espelho no qual se reflete a nossa crença. Ao primeiro deslize, os detratores da nossa religião rapidamente lembrarão que somos umbandistas. Vestir o branco é uma grande responsabilidade.
Os olhos do novato, lá na assistência, chegam a brilhar diante da dança dos orixás e entidades, que através do processo mediúnico, conduzem graciosamente o corpo de seus “aparelhos” ao ritmo dos atabaques. Não sabem que ao final da gira, os médiuns estão cansados, muitas vezes doloridos, mas ainda assim precisam continuar seus afazeres cotidianos: acordar cedo no dia seguinte e, independente do cansaço ou das dores, cumprir seus deveres perante o trabalho, a família e a sociedade. A dança dos orixás não é um balé gracioso e nem um momento de diversão para o médium ou para as entidades: é parte do ritual, que possui fundamentos e significados, atendendo, portanto, às necessidades espirituais da gira de Umbanda.
É possível que alguém na assistência sinta uma pontinha de inveja dos cambonos, pois esses têm contato direto com as entidades e seus ensinamentos, estando bastante próximos a elas e desfrutando, portanto, o privilégio de tê-las a seu dispor durante quase todo o tempo da gira. Mais um engano. O que muitos não sabem, é que o cambono desempenha uma importante tarefa nos trabalhos espirituais, portanto sua tarefa é de extrema responsabilidade e requer muita disposição e abnegação para correr de um canto a outro a fim de atender às necessidades dos guias e, embora não pareça, muitas vezes a gira termina sem que ele consiga tempo sequer para tomar um passe. Nem tudo é como parece.
Os curimbeiros (ou ogãs – embora esse termo seja mais próprio do Candomblé, é usado com freqüência na Umbanda) despertam enorme fascínio, pois muitas vezes são confundidos com “animadores de festas para espíritos”. Mais um engano. A eles cabe a dura tarefa de manter o equilíbrio da gira, pois o ponto cantado não é apenas uma música, é uma oração, um mantra melódico, que deve ser usado no momento certo e da maneira correta. Aos ogãs cabe a difícil tarefa de embalar esses cânticos mágicos ao mesmo tempo em que mantém o ritmo dos atabaques. Se alguém acha que a tarefa do curimbeiro é simples, basta olhar o estado de suas mãos ao final da gira: machucadas, vermelhas e esfoladas – isso sem falar na sua garganta, que provavelmente já está afetada também.
O zelador ou pai-de-santo é a figura que provavelmente mais chama a atenção dentro de um terreiro de Umbanda. Muitos queriam estar em seu lugar comandando os trabalhos, mas engana-se quem pensa que essa é uma tarefa fácil, repleta de louros e uma pseudo-fama. Estar à frente de um terreiro e comandar uma gira requer muita responsabilidade e equilíbrio. Ao zelador cabe fazer todas as firmezas, orientar os médiuns, identificar e organizar as energias que se manifestam na gira. Além disso, é sua função ouvir e orientar os filhos-de-fé de forma imparcial e justa, administrando egos, contornando problemas corriqueiros e outros nem tanto; é dele a tarefa de manter cada elo da corrente unido e forte. A ele também cabe carregar nas costas todo o fardo dos problemas do terreiro quando eles acontecem, pois o primeiro a ser responsabilizado por qualquer deslize numa gira é o pai-de-santo. Nem mesmo os filhos-de-fé o poupam.
Existem aqueles que acreditam que os médiuns de Umbanda carregam consigo algum tipo de poder mágico, que podem solucionar qualquer tipo de problema, já que têm as entidades ao seu dispor. Mais vez engana-se quem pensa assim. Muitas vezes os médiuns passam por problemas tão (ou mais) graves quanto os daqueles que os procuram, pois a mediunidade é uma missão a ser cumprida, e não um privilégio espiritual. O médium possui os mesmos anseios e limitações que qualquer outra pessoa, e ainda empresta o seu “aparelho” para prestar auxílio àqueles que o procuram, às vezes não sobrando tempo para a solução de seus próprios problemas.
E ser umbandista não é só participar das giras uma vez por semana ou a cada quinze dias. Cabe ser umbandista vinte e quatro horas por dia durante sete dias da semana. É uma responsabilidade grande que carregamos, mas devemos honrar esse compromisso que assumimos no dia em que adentramos o solo sagrado de um terreiro, por isso é fundamental pensar muito antes de tomar essa decisão, que certamente mudará a rotina de seus dias.
A vida do umbandista não é um mar de rosas. Existe o compromisso de comparecer às giras regularmente, muitas vezes abrindo mão do próprio lazer e da companhia da família, é aconselhável se abster de certos prazeres, como a carne, o sexo e o álcool nos dias de trabalho, existem as obrigações que exigem grandes sacrifícios por parte do filho de filho-de-fé. Enfim, não é fácil ser umbandista.
Mas se é assim, por que ainda tanta gente permanece no seio dessa religião e cada dia chegam mais adeptos? Seria um simples paradoxo ou a Umbanda é uma religião que reúne um número considerável de masoquistas?
Nada disso... as coisas são mais simples que parecem.
Apesar das dificuldades, a Umbanda é uma religião grata a seus filhos, que sabe recompensá-los e lhes dar uma flor cada vez que um espinho os machuca.
É gratificante para o filho de Umbanda trabalhar numa religião que não fecha as portas a ninguém, não importando o tamanho do problema de quem a procura. Não importa a condição social, sexual ou a raça de quem a procura: a verdadeira Umbanda não deixa de abrir seus braços a ninguém, nem mesmo aos espíritos desencarnados que não foram doutores ou escritores famosos. Escravos, índios, crianças e até aqueles que um dia decaíram em sua existência terrena são bem-vindos para trabalhar prestando caridade e assim contribuir com a própria evolução e dos demais.
Apesar das dificuldades, vestir a roupa branca é motivo de orgulho, pois é a forma de manter viva a crença e a cultura dos orixás, é manter viva a identidade brasileira e africana, é manter viva a chama da fé na sabedoria de nossos antepassados.
É muito gratificante encontrar uma pessoa que um dia, no passado, enfrentou um grande problema e, através da Umbanda, encontrou a solução. Provavelmente essa é uma das maiores recompensas que o umbandista pode receber: o fato de saber que auxiliou, através de sua mediunidade, de seu trabalho e de suas entidades, alguém que se encontrava aflito, pois é na prática da caridade e do amor ao próximo que encontramos a oportunidade de crescer enquanto seres humanos, centelhas da Criação Divina.
É assim que, após uma longa e cansativa gira, o umbandista retorna ao seu lar e após um banho, deita em sua cama, coloca a cabeça no travesseiro e vê que todo seu sacrifício valeu a pena. Afinal, apesar de todas as dificuldades, é muito gratificante ser umbandista.
Douglas Fersan – abril de 2011.
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2 comentários:
Gostei de seu blog, parabéns - são poucos que são bons, ainda mais falando sobre a Umbanda.
Abraços
Axé!
Mônica Molina
Texto perfeito!
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