sexta-feira, 6 de julho de 2012

Entrevista com Pai Ronaldo Linares - por Alexandre Cumino

ALEXANDRE CUMINO: Pai Ronaldo como, quando e por quê o senhor começou a ministrar um curso de sacerdócio aos umbandistas? RONALDO LINARES: Na verdade o curso não nasceu como um curso para sacerdócio. Nós tínhamos uma vivência aqui, onde hoje é o Santuário porque buscávamos um lugar para fazer as oferendas. Este local nos uniu a outras pessoas, pela mata, pedreira e cachoeira. Naquela época eu tinha mais dúvidas que certezas. Eu me sabia médium, incorporava uma entidade, mas não tinha respostas. Toda vez em que ia a um terreiro diziam para bater cabeça, mas ninguém dizia porquê, ninguém informava. Tendo a coragem de assumir que eu não sabia, comecei a fazer perguntas. A princípio, quando nós nos encontrávamos aqui eu propus às pessoas que nos encontrássemos uma vez a cada quinze dias, não para fazer trabalho de Umbanda, não para chamar Guias, mas para discutirmos sobre a Umbanda. Por que temos na Umbanda um altar católico, um ritual afroameríndio, e uma prática espírita? Eu queria entender esse coquetel, eu que vinha do Candomblé tinha uma orientação totalmente diferente do que acontecia dentro da Umbanda. A princípio nos reunimos para discutir alguma coisa, logo, esse grupo que não passava de seis pessoas, passou para quinze e foi crescendo. Nós nos reuníamos ora na minha casa, ora no terreiro de alguém para tomar um café com biscoitos, para discutirmos o que é a Umbanda. Tinha muita teoria e informação desinformando, muito livro que não esclarecia nada. Aí nasceu o “Primeiro Núcleo de Estudos da Doutrina Umbandista”, foi o nome que deram a este grupo. Sem querer, nem sei bem porquê, acabei por assumir a liderança. Este mesmo grupo evoluiu, pois havia muito mais pessoas interessadas em aprender, então isso passou a se chamar “Curso sobre Incorporação, Mediunidade e Desenvolvimento”, que eram as maiores dificuldades. Eu não tinha respostas para, por exemplo, “de onde veio a Umbanda? quem fundou a Umbanda?” A minha grande pergunta, para todos que eu entrevistava, era a seguinte: “Há quanto tempo você está na Umbanda? Qual a Tenda mais antiga que você conhece?” Na esperança remota de poder identificar de alguma forma o veio mais antigo. Se eu encontrasse o primeiro, eu teria respostas, e era o que eu não encontrava. Assim, chegamos a figura de Zélio de Moraes. Foi uma busca incessante e não foi por acaso que chegamos a ele. ALEXANDRE CUMINO: Então foi nessa época que o senhor conheceu o Pai Zélio de Moraes? Estamos falando de que ano? RONALDO LINARES: Estamos falando da década de 70; mas antes de conhecer o Zélio, o curso já havia evoluído para o “Curso de Formação Sacerdotal”, porque a grande maioria dos chefes de terreiro, abriam um terreiro sem saber quase nada de Umbanda. O que acontecia era o seguinte: O indivíduo começava a freqüentar o terreiro e ao cabo de algum tempo ele começava a ver o problema das sombras. Eu explico: O indivíduo que freqüentava um terreiro era na verdade alguém que havia deixado o terreiro porque havia se destacado de alguma forma e causado sombra em quem o conduzia. Então começavam as medidas restritivas, do tipo “daqui pra frente ninguém mais escolhe o Guia”, “quem determina quem vai se consultar com quem é o Guia da Casa”, e isso começava a gerar descontentamento. O médium que mal havia se desenvolvido, de repente, se via numa encruzilhada. Começava a ter o seu trabalho desprestigiado. Então o que acontecia? Um belo dia ele deixava o terreiro, saía pisando duro, se ele tivesse uma imagem no Congá, tirava a imagem de lá, jogava em cima de um armário, em cima de qualquer lugar. Passada a raiva, ele pensava: “Meu Deus do céu, o meu Caboclo não tem nada a ver com isso, aquele pessoal do terreiro não queria que eu trabalhasse, ficaram com inveja dos meus Guias...” Estava um dia lá, arrumava uma toalhinha, punha uma vela de sete dias e achava que o problema estava resolvido. Não! Aí é que o problema começava: Porque as pessoas que ele estava atendendo no terreiro de origem, iam se sentir frustradas, porque justo aquela entidade que estava resolvendo a vida torta dele, os problemas que ninguém mais resolvia não estava mais no terreiro. Mas havia sempre alguém que sabia onde ele morava, então só para resolver aquele problema, as pessoas iam à procura dele em sua casa. “Não, eu não tenho terreiro”... “Mas o seu Guia estava nos orientando”... Então tirava-se a mesinha da sala, ou o carro da garagem para fazer um trabalho só para atender aquele caso; não era pra fazer um terreiro de Umbanda. Mas já que a entidade veio, tinha sempre mais alguém precisando... Quando a gente menos esperava, esse grupo estava se reunindo, uma ou duas vezes por semana, e de repente nascia um terreiro de Umbanda. ALEXANDRE CUMINO: E a gente pode dizer que sem ter tido nenhum preparo e nenhuma base... RONALDO LINARES: O sujeito mal preparado, que mal completou seu trabalho de desenvolvimento pleno no terreiro, de repente se via com a responsabilidade de tocar um terreiro que ele mesmo muitas vezes nem desejava ter aberto. Os terreiros nasciam assim, sem conhecimento, sem base... só na fé. Isto nos levou, mesmo antes de ter encontrado o Zélio, a criar o “Curso de Formação Sacerdotal” com os conhecimentos que nós tínhamos naquele momento. De repente nos éramos mais de 40 e tinhámos perguntas básicas. Nós freqüentávamos o terreiro da Dona Natália e perguntávamos: Dona Natália, como a senhora faz uma gira de desenvolvimento? Aí chegava para o “seu” Osvaldo que tinha outro terreiro e perguntávamos como ele fazia a gira desenvolvimento. Esse pessoal só dava orientação sobre mediunidade, incorporação e desenvolvimento. Só mais tarde que viria o “Curso de Formação”, mas isso tudo, anterior ao Zélio. A necessidade de esclarecer e o encontro daquela revista, foi muito interessante. Primeiro porque eu não acreditava que o Zélio existisse. Em segundo lugar, eu não acreditava que ele tivesse feito o primeiro terreiro de Umbanda. Nosso encontro foi determinante porque ele sabia o que eu queria e dava respostas antes mesmo de eu perguntar. ALEXANDRE CUMINO: Sem entrar no mérito do encontro, já descrito em outras oportunidades, a pergunta é: Qual o impacto deste encontro com Zélio de Moraes para o curso de sacerdócio, e a sua concepção sobre a Umbanda? Mudou alguma coisa? RONALDO LINARES: O impacto realmente foi muito grande. Até então a gente seguia uma orientação que eu trazia das raízes candomblecistas. A partir do momento que eu conheci o “seu” Zélio de Moraes eu fui obrigado a fazer uma manobra à luz de novos conhecimentos. Eu estou sempre disposto a retomar as minhas posições. O encontro com o Zélio de Moraes e a precisão das respostas dele, a antecipação, sabendo ao que eu vinha, não deixavam margem para dúvida. E principalmente o seguinte: O apoio irrestrito que ele deu ao curso. O Zélio achava que o curso era de muita importância, achava que o fato de eu ter sido escolhido de alguma forma para divulgar o trabalho dele, tinha muito com o meu trabalho anterior. De alguma forma ele sabia do trabalho que eu vinha realizando. Apesar de não me conhecer, como eu posso explicar? De alguma forma ele me conhecia, ele sabia meu nome, ele sabia tudo, não precisava me fazer perguntas... Eu nunca o havia visto, nada nos ligava anteriormente, mas o Zélio foi totalmente favorável ao curso, e achava que as perguntas e as repostas se faziam necessárias. Uma coisa que até hoje cria impacto, diz respeito às Sete Linhas da Umbanda. Enquanto eu olho agora para você, eu vejo o Zélio de Moraes desenhando no ar a figura de um triângulo e me dizendo que as Sete Linhas de Umbanda estavam exatamente nas três faces de um prisma. Em outras palavras, na decomposição da luz. Estas seriam as Linhas da Umbanda. Fui obrigado a rever os meus conceitos... Para que não houvesse a menor dúvida sobre o que nós estávamos fazendo, eu levei os alunos dos primeiros “Barcos” lá na Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade, onde fomos recepcionados por Zélia e Zilméia e pelo próprio Zélio de Moraes... Essas pessoas tiveram contato com ele... Essas pessoas tiveram a oportunidade de ouvir do próprio Zélio sobre o nascimento da Umbanda. Tivemos que re-arrumar o curso diante desses novos conhecimentos, nos distanciando cada vez mais do candomblé e ficando cada vez mais próximos da doutrina kardecista. ALEXANDRE CUMINO: E o Zélio tinha algum tipo de orientação, ou senhor se lembra de algo que seria importante passar aos sacerdotes, que seja na parte doutrinária, de alguma feitura, de algum preparo que o sacerdote devia ter, alguma firmeza, algum assentamento? RONALDO LINARES: Na verdade o Zélio de Moraes e as pessoas que ele desenvolveu tiveram uma preparação bem doméstica. Elas freqüentavam o terreiro e ele podia dar atenção individual a cada um deles. Havia esse conceito na Tenda Nossa Senhora da Piedade. Ali os médiuns eram preparados. Aliás, ele preferia os médiuns que não sabiam de nada, para ensiná-los desde o princípio. Ele chegou a testemunhar algumas variações no culto umbandista. Ele, pessoalmente, nunca se conformou com o atabaque dentro do terreiro. Ele dizia que o barulho mexia com a cabeça dele. E hoje fica muito difícil de eu dizer isso. Para a comunidade umbandista o atabaque acabou ocupando um espaço que fica difícil você separar. No meu terreiro, seguindo o exemplo, eu não toco atabaque. Aqui, (no Santuário), eu não incomodo ninguém, deixo o pessoal tocar. ALEXANDRE CUMINO: Pai Ronaldo, como o senhor colocaria as diferenças ou semelhanças entre uma pessoa que é preparada dentro de um terreiro para ser um dirigente ou um sacerdote, e a pessoa que procura um curso de sacerdócio para se preparar? RONALDO LINARES: Olha dentro do terreiro você terá apenas a orientação que vem do chefe, do líder desse grupo. Esse chefe pode ter sido, ou não, preparado. Como os cursos são recentes, principalmente os de sacerdócio, nem todos esses antigos tem o conhecimento. Grande parte deles nem sabe quem foi que fundou a Umbanda... nem sabe de Zélio de Moraes, a não ser por ouvir falar... e isso agora, depois de tantos anos batendo na mesma tecla. É muito importante que pelo menos algumas regras básicas todos os cursos seguissem. Até agora não ainda conseguimos atingir esse ideal. Eu acho fundamental que hajam escolas de preparação, porque o conhecimento adquirido num curso será naturalmente transferido. Se você fez um curso de sacerdócio, você é um sacerdote formado, fatalmente as linhas básicas do que você aprendeu, você vai passar para o seu filho de fé. Ele pode até fazer algumas inovações, pode mudar alguma coisa do rito, mas o básico não vai ser alterado. Isso é uma coisa que está sendo montada agora. Veja bem, o cristianismo para chegar no que é hoje demorou dois mil anos. Nós temos cem anos, e pelo menos por cinquenta deles a Umbanda ficou praticamente restrita a grupos pequenos, depois disso é que a gente começou a ver uma divulgação maior. O dogma é uma verdade que deve ser aceita, sem contestação. Hoje a Umbanda é uma religião sem dogmas, onde tudo pode e deve ser contestado. Mas não a contestação pura e simples, e sim algo mais profundo, afinal, tudo tem um porquê de ser na Umbanda. E por isso, é muito importante que o sacerdote tenha uma preparação adequada.

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