sábado, 27 de abril de 2013

O que seus olhos preferem ver? - Por Douglas Fersan



  Conta a história que dois homens encontravam-se internados num mesmo quarto de hospital. Um deles estava próximo à janela e o outro distante dela.  Além de estar longe da janela o segundo homem estava muito debilitado e não podia andar, portanto não tinha o privilégio de observar o mundo exterior como o outro, e vivia reclamando disso.

  O companheiro que estava perto da janela, resignadamente dizia para ele ter calma, que um dia voltaria a andar e poderia ver a paisagem.

  _Que paisagem, que nada - dizia o ranzinza - aposto que aí não tem nada de interessante para se ver.

  _Engana-se - dizia o outro - estão construindo um belo jardim aqui ao lado.

  _É mesmo? - perguntou o ranzinza já meio sensibilizado.

  _Sim, estão plantando azaleias, margaridas.  O campo está ficando gramado.

  E assim dia após dia o enfermo próximo à janela ia descrevendo a evolução do jardim.  Contava que além das flores plantaram belas árvores, palmeiras, construíram um parquinho para as crianças.  E o outro paciente, antes mau humorado, agora sorria com a expectativa do jardim sendo construído.  O homem que nunca sorria agora tinha esperanças.

  Porém, numa manhã cinzenta, o homem da janela amanheceu coberto por um lençol, já sem vida.  Não demorou muito para que viessem buscar seu corpo.  Ficou a cama vazia e a janela aberta, soprando uma brisa suave, como um lamento perdido.

  No primeiro dia o homem ranzinza ficou em silêncio.  No segundo chorou, no terceiro sentiu falta do jardim que não via, mas que devia estar ainda mais bonito, já que, segundo seu falecido amigo, trabalhavam nele com tanto afinco.

  Não resistindo à curiosidade, desceu da cama com muita dificuldade.  Quase caiu.  Arrastou-se como um réptil, lenta e sofridamente para chegar até a janela.  Lá chegando ergueu o corpo com os braços esquálidos e olhou para fora.  Viu apenas um terreno baldio, tomado pelo mato e um muro velho, cheio de musgo e pichações.

  Não conteve o choro.  A bondade do seu amigo era tanta que ele construiu um jardim imaginário para os seus olhos distantes, que não podiam chegar à janela.
Resignadamente arrastou-se de volta para a cama e preferiu ver as coisas com os olhos do coração e não mais com os olhos amargos da vida.

Douglas Fersan
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