Fica muito difícil compreender situações em que ocorrem o desencarne coletivo. Como justificar uma tragédia onde tantas vidas são ceifadas e tantas famílias sofrem se cremos em um Deus piedoso e pleno de amor?
Como espiritualistas não podemos esquecer é que todos temos débitos pretéritos e seu resgate não constitui necessariamente um castigo, mas sim uma oportunidade, um ensinamento para o nosso bem maior. Mas até que ponto podemos (ou devemos) justificar tudo como resgate? Obviamente é muito difícil em situações de comoção nacional, diante de uma tragédia, digerir essa forma de ver as coisas de maneira abnegada. É compreensível a dor e até revolta dos que ficam, pois não reivindicamos a perfeição moral e espiritual, mas devemos ao menos nos espelhar nela, sem esquecer as fragilidades humanas. Em outras palavras, para quem olha de fora a tragédia, é fácil falar em abnegação, mas até o mais espiritualizado dos homens chora a dor de perder um ente querido em uma situação como a ocorrida em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. E ele tem direito a se revoltar, a ser humano e até imperfeito, caso contrário não estaria nessa Terra.
Alguns dirão que não cai uma folha de uma árvore sem que Deus queira. Eu respondo que acho tal frase extremamente dogmática e que foge à fé racional que tanto se apregoa. Já espero que venha o apedrejamento, mas prefiro ele à fé cega e à faca amolada.
Desencarnes coletivos acontecem periodicamente. Não há muito tempo houve um tsunami, depois o terremoto no Haiti, além de outros fatos de menor repercussão, mas igualmente carregados de sofrimento, tanto pela forma como essas mortes ocorreram, mas também pela dor do que ficaram a chorar a perda dos que tanto amavam. Apesar de respeitar profundamente as diferentes crenças, inclusive aqueles que buscam justificar essas situações em acontecimentos de vidas passadas, não acredito que seja o momento de cogitar as razões para isso. Li em algum lugar que, coincidentemente, a tragédia em Santa Maria – RS aconteceu justamente no dia em que se fazia um movimento em memória às vítimas do holocausto. Particularmente achei de mau gosto a insinuação. Não acho que se trata do momento de julgar se as vítimas foram culpadas no passado. Todos somos culpados, mas também somos todos inocentes, depende do prisma que se observa, e maniqueísmos servem apenas para limitar a nossa visão das coisas.
Acredito num Deus pleno de amor e afeto pelos seus filhos e com razões que nossa compreensão (ou falta dela) seja tão minúscula que não nos permita entender determinadas situações - paremos um pouco de culpar Deus e ao passado pelo sofrimento de hoje. Mas também acredito que a mão do homem, sua irresponsabilidade calcada no livre arbítrio também dê rumo às coisas. E a fatalidade, seria algo completamente irreal? Será que tudo se justifica no karma? Então como surgiu o primeiro pecador, se ele não tinha karma a resgatar? Não seria muito comodismo de nossa parte justificar todos os males do mundo com a teoria do resgate de erros pregressos?
Não pretendo refutar essa teoria, mas também não quero usá-la para justificar tudo. Especialmente não quero usá-la em momento inadequado para levantar hipóteses que venham a desrespeitar a memória dos que se foram e a dor dos que ficaram e sofrem. Não nos cabe julgar. Se o conceito de que todos carregamos culpas é correto, no momento nos cabe apenas prestar solidariedade sincera, pois talvez essa seja uma maneira de progredirmos enquanto seres espirituais. Vamos pedir aos espíritos consoladores que façam a sua parte de amparar os que se foram e também às famílias que hoje choram. Deixemos as hipóteses para quem tem tempo e imaginação para elas e os julgamentos para quem tem competência para isso. Resignemo-nos e façamos a nossa parte, que aliás fazemos muito porcamente.
Douglas Fersan - 28/01/2013