segunda-feira, 27 de abril de 2015

Um conto de Omolu - por Douglas Fersan

Dizem que o velho Omolu caminhava indiferente a tudo. Passos lentos, típico dos idosos, andar trôpego...  Não ouvia quando as pessoas o chamavam para um simples cumprimento.  Outros, vendo um velhinho tão simpático, lhe chamavam apenas para cumprimentar, mas ele seguia indiferente.
_Deve estar surdinho - diziam alguns, atribuindo a indiferença à idade.

Omolu não estava surdo, tampouco era mal educado.  Apenas tinha adquirido o ouvido seletivo que a idade lhe permitia. Sabia que não tinha tempo a perder. Em pensamento abençoava cada um que o chamava, mas não queria gastar seu tempo com amenidades. Sabia que coisas mais importantes o esperavam lá na frente. Mas preferia permanecer em silêncio e oração.

Omolu passou a ser mal visto por alguns.
_É um velho antipático - diziam - não responde a um simples cumprimento.
Não... Omolu apenas sabia que tinha que continuar caminhando.
E assim foi... caminhou até que encontrou uma casa pobre, uma cabana coberta de de palha - muito parecida com as palhas que lhe serviam de roupa.

Sem muitos rodeios entrou na cabana.  Ali encontrou uma criança doente, com febre alta, pústulas pelo corpo.  As feridas eram tão fétidas que até os pais, mesmo amando imensamente a criança, tinham receio de tocá-las.

O velho Omolu nada disse. Apenas continuou sussurrando sua prece.  E passou sua mão trêmula sobre o corpo doente da pobre criança.

Imediatamente a febre sumiu e as feridas começaram a estourar: haviam virado pipoca, e saltava de um lado para outro, de forma tão inesperada que a criança que se encontrava doente até sorriu.
Sem dizer mais nada, o velho Omolu se levantou e saiu da cabana, continuando sua caminhada lentamente e em silêncio, apenas balbuciando sua prece.

Os poucos que presenciaram a história compreenderam e espalharam a história. As pessoas não criticaram mais Omolu e, ao contrário disso, passaram a respeitar seu silêncio.
Agora, sempre que Omolu passava, em respeito as pessoas diziam: "Atotô"!!! - que significa "silêncio, ele está na terra".

Douglas Fersan
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sexta-feira, 24 de abril de 2015

Coração peludo - Douglas Fersan



Um dia você chega a uma casa de Umbanda cheio de problemas.
Vive à base de remédios, frequenta consultórios médicos, especialmente os psiquiátricos, com frequência.  Por mais que os médicos tentem e tenham boa vontade, não conseguem diagnosticar a causa dos seus males.  Não dorme direito à noite e passa o dia sonolento, reclamando de tudo e todos.  Não consegue se concentrar no trabalho.

Em casa nada parece estar em harmonia.  Desentendimentos conjugais, falta de paciência e de diálogo...  desconfianças descabidas surgem e, por mais absurdas que sejam, assumem proporções gigantescas.  Você sabe que os outros são tão inocentes quanto você, mas não consegue perdoá-los e nem estabelecer uma conversa harmônica.

Mesmo os seus desejos mais simples não se realizam.  Desde aqueles desejos materiais (qual o problema, quem não os têm?), até aqueles de realização pessoal parecem sonhos distantes, irrealizáveis.  Você se desespera, busca soluções nos mais variados lugares e não encontra respostas.

Até que um dia conversa com alguém e através dessa pessoa você chega a uma casa de Umbanda.

Ali é recebido, acolhido e ouvido. Nada lhe é cobrado e você não é submetido a julgamentos. Ninguém lhe aponta o dedo, apenas ajudam a solucionar seus problemas.  Os orixás e entidades que ali trabalham mobilizam seus esforços e seu axé e vão em busca da raiz do seu sofrimento. Logo fica claro que seu corpo não padecia de males físicos, sua insônia não era simples estresse, os remédios eram desnecessários e a desarmonia no lar era causada pela presença de energia e seres invisíveis indesejados.

Você é tratado.  E mais que isso, descobre que tem a capacidade de ajudar outras pessoas.  Recebe o axé da casa.  Os frequentadores da casa se tornam seus irmãos-de-fé no sentido mais amplo da palavra. Sofrem com suas dores, comemoram suas alegrias, partilham dos seus problemas e se unem para lhe ajudar a encontrar soluções.  Os dirigentes apostam na capacidade de ajudar, no seu bom caráter e na sua humildade e na sua disposição para ouvir e entender os demais, afinal já passou por isso.  Apostando na sua pessoa, os dirigentes lhe ensinam o que sabem, compartilham o axé da casa com você, pois acreditam que você será mais um soldado a lutar pelo bem dos necessitados e desvalidos.  Você encontrou o alento que procurava, mas como todo mundo, vez ou outra tem um problema, e sempre que isso acontece, procura os dirigentes e os mentores da casa e é sempre escutado e amparado por eles.

E assim passa algum tempo.  Você aprende muita coisa, mas esquece de algo muito importante: o aprendizado é eterno e nunca é suficiente.  Chega o momento em que você acha que o seu aprendizado já é tão grande ou maior do que o daqueles que lhe ampararam (não só dos dirigentes encarnados, mas dos próprios orixás e entidades).  Seus problemas de saúde foram sanados, mas a sua memória enfraqueceu.  Você esquece o estado em que chegou no dia em que colocou pela primeira vez os pés nessa casa de Umbanda.  Esquece a forma carinhosa com que foi recebido.  Esquece os ensinamentos, especialmente os de humildade, que lhe deram.  Esquece que o axé pertence aos orixás e não a você.

Então, numa atitude de total ingratidão, passa a apunhalar pelas costas os irmãos que lhe acolheram.  Critica, fala mal, aponta o dedo.  Cria tumultos, tenta desarmonizar o ambiente que lhe deu alento.  Um dia anuncia resolve deixar a casa...  problema seu: você era livre quando decidiu entrar, que seja livre para sair e que seja sempre muito feliz.  Mas você não fica contente em simplesmente sair.  Usa dos mais diversos meio – especialmente dos pouco éticos – para lançar farpas contra aqueles que um dia acolheu.

Felizmente seus problemas parecem estar resolvidos.  Tomara que você e os seus continuem bem, certamente aqueles a quem você chamava de irmãos torcem verdadeiramente por isso.  Já o seu coração pode estar com problemas. Aquele coração que um dia chegou sofrido, hoje está “peludo”, feio, cheio de piolhos e sujeira... sujeira que você mesmo criou.

O axé que você recebeu é verdadeiro.  Verdadeira não foi a sua fé e a sua gratidão e nem o seu respeito. E o seu respeito (ou a falta dele) traduzem o que você e porque sofre tanto.  A sua falta de gratidão e de respeito ao axé que recebeu revelam a mediocridade de seu caráter, a falta de preparo que você tem para exercer a mediunidade e o quanto ainda tem que ser ajudado para que possa realmente ajudar alguém.

Aliás, falando nisso, seus antigos irmãos rezam para que você continue sendo ajudado... mesmo sem sofrer, pois não é só quando a água bate no traseiro que precisamos de ajuda. Precisamos dela justamente quando nossa empáfia não nos permite notar que o traseiro está sujo e o coração peludo.

Douglas Fersan
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quarta-feira, 22 de abril de 2015

Umbanda, hospital da alma, segurança do lar - Douglas Fersan



Cercas elétricas, grades nas janelas, ferrolhos nas portas. Tudo isso nos protege dos perigos que a vida mundana nos oferece. Nosso lar deve estar resguardado contra os riscos que viver em sociedade nos impõe.

Mas não são apenas os perigos materiais que existe a nos cercar. Os inimigos invisíveis estão aí e estão atentos às nossas fragilidades.  Pensamentos, palavras e ações negativas atraem energias e seres espirituais semelhantes. E nesse caso de nada valem as correntes, as cercas elétricas e as grades nas janelas.  Para esses inimigos isso não representa obstáculo.

A melhor defesa contra esses ataques é manter a fé e o pensamento positivo alertas. É não se deixar dominar por pensamentos e atitudes mesquinhas e negativas.  É alimentar o espírito com a vitamina que o mantém forte e imune a essas "bactérias astrais".

Mas nem sempre conseguimos manter essa postura. Precisamos então de ajuda espiritual.  Isolar-se em casa não vai ajudar, pois mesmo com portas e janelas fechadas, os inimigos astrais, os obsessores e trevosos, terão acesso ao seu lar, a você e à sua família.  É preciso um tratamento.

Procure então um hospital.  Mas não um hospital comum, com antibióticos, estetoscópios e aparelhos de tomografia.  Busque um hospital que lhe dê o remédio para a alma, que escute (sem o uso de aparelhos) os seus anseios e veja o seu interior de forma pura e sem tecer julgamentos.

Uma casa séria de Umbanda (não se esqueça que a casa deve ser séria) é um hospital da alma...  é eficiente, vai direto ao problema, não marca a sua consulta para daqui a meses, não faz distinção entre ricos e pobres e não cobra pelo seu tratamento.  Basta você fazer sua parte: seguir o tratamento indicado, ter fé, deixar que os orixás e mentores usem sua força e sabedoria para lhe ajudar, fazer a sua auto-medicação (nesse caso, a reforma íntima) e aprender com erro. Aprender que da mesma forma que cuida da segurança física da sua casa, que cuida da sobrevivência do seu corpo carnal, deve cuidar também do espírito, para que você, como um todo (mente, carne e espírito) tenham uma armadura e sua casa se torne uma verdadeira fortaleza, totalmente protegida contra os bandidos astrais que se aproveitam da fragilidade alheia.

Cuide-se...  você, sua família e seu lar merecem.

Douglas Fersan
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domingo, 19 de abril de 2015

Umbandista contra umbandista? Até quando? - Douglas Fersan


Ética: até quando esperar?
Seguir uma religião implica (ou ao menos deveria implicar) em procurar um aprimoramento enquanto ser humano. Pertencer a um templo, independente de sua denominação, deveria ser a prerrogativa para o próprio crescimento moral.

Paradoxalmente, vemos que não é bem isso o que acontece. Como costumo dizer, o maior inimigo da Umbanda é o umbandista. Não é o evangélico que fala mal da nossa religião: ele fala aquilo que acredita, passa adiante a ideia que um dia comprou. Não é o católico, que condena nossos rituais. O maior inimigo é o umbandista, que através de sua postura consegue macular aquilo que mais deveria preservar: a sua religião.

E o que é pior, essa falta de ética fica evidente quando um umbandista começa a demandar contra outro umbandista. Quando um terreiro tenta demandar contra outro.

Será que isso acontece?
Com certeza...  e mais do que imaginamos.

Se você pertence a um terreiro e não concorda com os rumos que ele toma (ou melhor, se não consegue ser a estrelinha que gostaria de brilhar no lugar do Pai Oxalá), siga seu caminho. Crie seu próprio terreiro, seja a estrelinha...  Mas esteja ciente de que a tarefa de conduzir uma casa espiritual não é fácil e que esse comando vem do astral, e não do seu ego.  Se conseguiu arrastar um outro filho da sua antiga casa consigo, parabéns... você praticou uma enorme caridade, pois livrou essa casa de alguém que não trabalhava ali com o coração aberto e com amizade e respeito verdadeiro pelos orixás e entidades da casa.

Mas pensou que derrubaria essa casa, não é?
E ao contrário disso, ela prosperou, cresceu em quantidade de atendidos, de filhos-de-fé e isso sem falar nas conquistas que vieram pelo merecimento e esforço de cada filho que ali permaneceu e perseverou, apesar das suas constantes intrigas para derrubar casa...  Lamento por você, mas fico feliz pela casa que você tentou derrubar.

Em um último ato desesperado você demanda contra aquela casa...  Não acredito que você faça a chamada "macumba" ou o "trabalho" para isso, afinal você não tem preparo para isso.  Mas a sua inveja, o seu olho gordo, o seu despeito em ver a outra casa crescer e crescer e crescer acaba demandando contra a casa.

Sabe o que isso faz com essa casa?
No máximo dá um arranhão.  Daqueles que um simples band-aid resolve.  Enquanto que para consertar a sua moral espiritual será necessária uma quimioterapia.

Talvez você não faça isso por mal, afinal você acreditava que o seu carisma (só você acreditava nele) seria capaz de derrubar o outro dirigente e seus filhos.  No entanto você vê o tempo passar e seu sonho mesquinho não se concretiza...  a outra casa continua crescendo e você qual pedra, fica parado no meio do caminho, até que um dia alguém o chute para liberar a passagem de algo ou alguém mais proveitoso.

Não perca seu tempo demandando contra quem Xangô é pai. E nem contra quem tem guardião para proteger...  use seu tempo para rever seus conceitos sobre religião. Talvez você se torne um bom pastor um dia...  desculpe, um bom obreiro, pois pastores são líderes e bons líderes têm bom senso e educação ao tratar os seus liderados.  Sua função continuará sendo coadjuvante.

E se quiser continuar demandando contra a sua antiga casa, continue... o problema é seu. Pois o nosso problema, Exu resolve, pois os verdadeiros guardiões (não as estrelinhas) estão do lado dos justos.

Douglas Fersan
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sexta-feira, 17 de abril de 2015

Volto já - Douglas Fersan


Humanos que somos, humanas preservamos nossas dores, já que limitadas são nossas compreensões. Mas é sempre bom lembrar que Deus em sua infinita bondade não separa por toda a eternidade seres que se amam. Novas oportunidades e novos encontros sempre surgirão.

A dor da separação é, provavelmente, a maior de todas: não poupa ricos nem pobres, nem sábios e nem ignorantes. Todos sofrem com a partida de um ente querido.  Nada mais natural, afinal não estamos prontos, tanto espiritual nem culturalmente, para essas situações.  No entanto, não podemos esquecer daquilo que acreditamos e pregamos... Separações eternas, condenações eternas e dores eternas não condizem com o Deus de amor e bondade que cremos.

A morte nada mais é do que uma etapa pela qual temos que passar para chegar a um novo estágio.  Não existe evolução sem ruptura, não se chega a um novo lugar sem dar os primeiros passos.

Não negue a si o direito de ser humano e nem o direito de sofrer diante da perda.  Não se negue o direito de chorar pela partida de um ente querido, mas, por outro lado, não deixe a esperança se esvair junto com as lágrimas.  Lembre-se que hoje esse sofrimento faz parte dessa nova etapa, provavelmente necessária ao aprendizado de todos os envolvidos, mas o reencontro acontecerá um dia, pois infinita é a bondade de Deus.

Douglas Fersan
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terça-feira, 14 de abril de 2015

Os baianos na Umbanda - por Douglas Fersan

Os baianos na Umbanda:

A linha dos baianos na Umbanda caracteriza-se pela alegria e pela forma direta como trabalham.  Sempre que se manifestam em terra, chegam dançando, conversando muito, mas como os próprios dizem, "não têm papas na língua", indo direto ao assunto.

Sua simpatia é comparável à sua sabedoria sobre as coisas da vida, sendo excelentes conselheiros e curadores, já que possuem um grande conhecimento sobre as ervas e as suas propriedades medicinais.

São também excelentes "feiticeiros", pois conhecem bem as mirongas, as mandingas e a magia trazida pelos africanos que aportavam na Bahia. De certa forma houve uma miscigenação entre esses dois povos, gerando essa cultura tão peculiar e rica de conhecimentos e de axé.

Diferente de outras linhas da Umbanda (como a dos caboclos, por exemplo), os baianos pertencem a um tempo mais próximo ao nosso, por isso conseguem compreender de uma forma menos passional os nossos anseios e sempre se prontificam a ajudar.  Muitos deles viveram junto à marginalidade de sua época, entre os salteadores, bandoleiros do sertão, cangaceiros, retirantes...  A vida sofrida lhes proporcionou coragem e sabedoria para enfrentar os problemas da vida e agora, no plano astral, se dispõem a usar esse conhecimento em benefício dos aflitos que os procuram nos templos espiritualistas.

Participar de uma gira de baianos é a certeza de sair aliviado, ter grande parte do peso retirado das costas e a fé renovada. Baiano é povo bom, povo trabalhador, quem mexe com baiano mexe com Nosso Senhor.

Saiba mais sobre os baianos na Umbanda lendo o livro Um Conto da Bahia, através do link Um Conto da Bahia

Douglas Fersan
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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Renascer é preciso - por Douglas Fersan

Nessa semana comemoramos a Páscoa, uma festa tradicionalmente cristã – e católica em especial. O significado da Páscoa é o renascimento, a renovação, a nova vida. E, embora seja uma tradição católica, não podemos negar que renascer e renovar é sempre importante. Jogar fora os sentimentos negativos, que nada acrescentam e que só funcionam como uma peçonha que percorre as veias no lugar do sangue, contaminando o corpo e a alma é salutar para todos, pouco importando a religião, pois o que vale é evoluir enquanto seres humanos e espirituais, criaturas de Olorum, que nos quer límpidos e serenos.

Do Orum, o céu dos Orixás, podia-se observar o Aiê, a morada dos humanos na Terra. Sentado e apoiando o cotovelo sobre um dos joelhos e o queixo sobre o punho, Oxalá observava a movimentação intensa dos homens, que em sua frenética corrida do dia-a-dia, esqueciam sua essência divina, esqueciam que eram irmãos e esqueciam até mesmo que deviam respeito uns aos outros.
Alguns homens preocupavam-se tanto com seus problemas terrenos (trabalho, dinheiro, compromissos profissionais) que sequer lembravam de si mesmos. Não se davam o direito de passar algumas horas com as pessoas que amavam (isso quando lembravam de amar), não se permitiam uns momentos de diversão, nem mesmo ouvir uma boa música a fim de sensibilizar a alma e serenar o corpo. Estavam completamente tomados pelo espírito do desespero: o desespero de cumprir suas tarefas terrenas.

Outros já haviam se contaminando tanto com a negatividade que cercava o Aiê, que tornaram-se verdadeiros algozes de seus semelhantes. Pouco se importavam com a dor e o sofrimento alheio – havia até os que sentiam prazer com isso. Uma verdadeira marginalia havia se formado e amedrontava a humanidade. E é claro que seres espirituais trevosos e oportunistas se aproveitam dessa situação para disseminar o ódio, o medo, o desequilíbrio e a desordem na Terra.

Havia também os que já não sentiam amor. Enxergavam isso como um sentimento do passado ou talvez algo que nunca existiu. Olhavam apenas para o próprio umbigo e pouco se importavam se para atingir seus objetivos tivessem que pisar em seu semelhante e ferir a ética, já tão maltratada e esquecida. Até o nome de Olorum, nas mais diversas denominações, era usado para atender interesses mesquinhos.

Não faltavam aqueles que se entregam à luxúria. O sexo, ato de perpetuação e consagração do amor, tão abençoado em sua essência, havia sido banalizado ou convertido em um produto, sendo comercializado das mais diversas formas.

Sereno e calmo como sempre, Oxalá observou tudo aquilo. Mas Oxalá não era intempestivo e nem perderia a fé – trono o qual ele ocupava com excelência. Oxalá acreditava em seus filhos; Oxalá acreditava na humanidade.

Sem esboçar qualquer movimento, Oxalá sentiu a aproximação dos demais Orixás divinos. Nada disse, apenas esboçou um sorriso.

Iansã, cheia de determinação e vontade de resolver as situações, balançou sua mão em direção aos céus, como se fosse uma ventalora, e nuvens escuras cobriram todo o Aiê.

Não demorou para que Xangô lançasse seu oxé – machado de lâmina dupla – em direção às nuvens, provocando fortes trovões, atraindo a atenção dos homens que caminhavam sobre a Terra. Por um instante todos esqueceram suas questões mundanas e mesquinhas e preocuparam-se apenas com a tempestade que se aproximava.

Delicadamente Oxum brandiu as mãos e as nuvens descarregaram uma água doce e límpida, que como uma cachoeira lavou o corpo dos homens, que sentindo aquele frescor inesperado, porém reconfortante, nem fizeram questão de esconder da chuva que caía. Cada ser que habitava a Terra deixava a água escorrer sobre seu corpo, levando consigo todas as negatividades que vinham nutrindo há muito tempo. Foi como um banho, que higienizou não o corpo, mas a alma, de toda a sujeira que a tornava densa e distante de sua centelha divina.

Em seguida Iemanjá entoou seu canto inconfundível, que penetrou não apenas os ouvidos, mas cada poro do corpo dos homens, que olharam espantados uns aos outros. Sob a vibração maternal da senhora da vida, da rainha do mar – que gerou a vida – os humanos olharam-se não mais como rivais ou simples desconhecidos. Cada um reconheceu no outro o seu irmão, o seu semelhante, um ser que mesmo não conhecendo, amava como um membro da família, pois identificaram-se todos como filhos da mesma geração divina que lhes dava a vida.

Aproveitando-se desse momento oportuno, Ogum quebrou todas as demandas existentes no Aiê: rancores, inveja, maledicência, desejos de vingança e todas as formas de pensamentos e sentimentos, que mais nocivos que qualquer magia negra, alimentavam a mente dos homens e matavam a sede dos seres trevosos e oportunistas.
Oportunamente o velho Omolu chacoalhou a sua veste de palhas, curando toda doença da alma humana e colocando fim a todo desequilíbrio que reinava sobre o Aiê. Foi como se toda a humanidade junta ingerisse um remédio milagroso para todos os seus males.

Foi a vez de Oxóssi atirar suas setas sobre cada coração e com elas disseminar a sabedoria em cada coração, a sabedoria que fez com que cada um abandonasse o passado escuso e refletisse sobre a própria postura, tendo a coragem e a vitalidade suficiente para superar os erros cometidos.

Nanã de Buruquê fez um movimento lento com a mão trêmula – daqueles movimentos típicos dos mais velhos, e a chuva cessou. A água, que havia lavado os homens dos sentimentos e atitudes tão ruins, correram em direção aos pântanos, onde seriam encerradas e de onde não deveriam mais sair.

Então, do Aiê, a Ibeijada lançou a alegria típica das crianças, que imediatamente contaminou a todos. Exatamente como as crianças fazem quando brincam, os homens se abraçaram e compartilharam sua alegria. Do distante Orum era possível os risos de alegria, tão pueris, vindos da Terra. Sem qualquer medo de ser feliz, os homens se abraçavam, davam-se as mãos e até brincavam, deixando de lado aquele ar sisudo que até tão pouco tempo atrás lhes contaminava o semblante. Não houve espírito soturno que suportasse tanta alegria: todos fugiram daquela energia maravilhosa que contaminava o Aiê.

A Terra não era a mesma. Estava renovada, assim como seus habitantes. Cada um deles havia recebido a emanação dos Orixás que habitam o Orum e tinham reencontrado sua verdadeira essência divina que dá a vida e que deve guiar as atitudes de cada ser que caminha sobre a Terra. A essência que tantas vezes havia sido esquecida em virtude dos problemas, preocupações e mesquinhez de cada um. Os velhos homens haviam “morrido”, mas renasceram imediatamente, livres de qualquer desvio que os afastasse do Divino Criador. Era o renascimento, era a renovação, era a “páscoa” interna de cada um.

Com outro breve sorriso, Oxalá olhou docemente para os demais orixás, que retribuíram a simpatia e cada um tomou seu rumo.
Do mesmo lugar onde se encontrava, Oxalá fez um breve aceno para Exu, que se encontrava na Terra. Exu respondeu ao cumprimento e abriu todos os caminhos da humanidade, que como quem se encontrava numa encruzilhada de múltiplas direções, agora tinha vários novos caminhos a percorrer.

Embora a Páscoa seja uma celebração católica, nada impede a nós, umbandistas, que deixemos a centelha divina dos Orixás brilhar em nossas vidas, nos fazendo renascer melhores a cada dia.

Douglas Fersan
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