Entender a Umbanda é entender o Brasil. Um país rico em variedades étnicas e culturais só pode ser resultado de uma intensa miscigenação ao longo de seu processo de formação histórica e que ainda hoje mostra-se em movimento. Diversos elementos contribuíram para a formação desse imenso país e essa variedade de costumes que o caracteriza. Do seu elemento étnico primordial – o indígena – pouco restou, levando-se em conta o massacre de que foram vítimas, no entanto, herdamos vários de seus costumes e crenças, dos quais podemos destacar diversos topônimos e o uso de ervas para fins ritualísticos e medicinais. O colonizador europeu não tardou a impor seus hábitos e crenças, assim, o catolicismo e toda sua liturgia foi introduzido no Brasil, passando a fazer parte da própria identidade nacional. Mais um elemento incorporava-se à massa humana e cultural que formava nossa população. Grande e inegável contribuição para esse processo foi dada pelos negros, que vieram cativos da África. Proibidos de realizar seus cultos, nos quais adoravam os Orixás – divindades provenientes do panteão africano – trataram logo de encontrar um subterfúgio para garantir a sobrevivência de sua crença: associaram os Orixás aos santos católicos, assim podendo realizar seu culto sem interferência violenta de seus patrões. Foi criado então, o sincretismo entre santos católicos e Orixás africanos e, dessa maneira, os negros deixavam fincadas suas raízes, de forma definitiva, na cultura brasileira – era mais um elemento que se agregava. Mais tarde, já na segunda metade do século XIX, em plena febre do positivismo europeu, surge na França, através do pedagogo Hippolyte León Denizard Rivail (que tornou-se conhecido com o codinome de Alan Kardec), a Doutrina Espírita ou Espiritismo, que tenta levar a comunicação com os espíritos à luz da ciência, além de definir padrões morais e filosóficos sobre questões como a morte, pecado, culpa e carma. Essa nova doutrina encontrou vários adeptos entre a classe média brasileira, e assim, o Espiritismo tornou-se mais popular no Brasil do que em seu país de origem. A população brasileira, no entanto assimilou todos esses elementos e, salvo casos em que o sectarismo não permitia, criou um verdadeiro emaranhado de todas essas crenças e, mesmo quem se declarava católico “praticante”, não titubeava em procurar uma benzedeira ou fazer uma simpatia. Ao contrário do que pode parecer, isso não significava a falta de uma identidade definida, era a própria identidade nacional que se definia. Dessa maneira, variados cultos proliferaram pelo Brasil afora – como o Catimbó e o Xangô (o culto, não o Orixá) - no Nordeste, e as macumbas cariocas, quem embora não fosse designada como Umbanda, já apresentava todo o esboço de sua liturgia. Embora o Espiritismo estivesse inserido na mentalidade da população brasileira, ele era praticado principalmente pela classe média, que carregava consigo seus conceitos e preconceitos. Foi dentro desse contexto que o jovem Zélio Fernandino de Moraes, em 1908, contando então com dezessete anos de idade, incorporou, em uma mesa espírita, o Caboclo das Sete Encruzilhadas (um espírito indígena) que, diante da reação dos presentes, que não aceitavam a manifestação de espíritos de índios e negros, declarou que estava fundada ali a Umbanda, “uma religião que falará aos humildes, simbolizando a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados”. Para muitos esse fato é tido como a fundação da Umbanda, para outros, ela já existia, na prática, há muito tempo, sendo essa passagem apenas mais uma manifestação de um caboclo, espírito tão comum em seus rituais. A verdade é que, sendo o Caboclo das Sete Encruzilhadas o fundador ou não, a Umbanda é o próprio retrato do Brasil, do processo histórico que o marcou tão profundamente, dos povos que o construíram, da identidade que assumiu para si. Assim como o povo brasileiro, a Umbanda é diversa, contendo em si elementos de todas as crenças que existem no país – a pajelança, o culto aos Orixás, o Catolicismo, o Espiritismo. Ser umbandista é ser brasileiro em sua essência, é carregar consigo cada traço e cada cicatriz do povo que construiu o Brasil, suas crenças, seus hábitos e sua fé. Do primeiro contato entre os diferentes povos e sua diversidade surgiu a Umbanda, ainda hoje presente de maneira discreta em todas as regiões do país.
Fonte: Região em Destaque
Autor: Douglas Fersan
Artigo publicado no jornal Região em Destaque em 14/01/2009
Artigo publicado no jornal Região em Destaque em 14/01/2009
3 comentários:
Pra começar eu quero elogiar a foto que ilustra a matéria, que é de muito bom gosto.
Acho muito bacanas esses textos porque eles mostram que a umbanda não é meramente macumba, baixo espírritismo ou qualquer outra coisa carregada de preconceito que falam por aí. A umbanda é parte da cultura brasileira, é parte da nossa gente, do nosso povo.
O autor do texto soube retratar isso com maestria essa idéia.
O interessante é essa relação entre formação da população brasileira e surgimento da umbanda. Estão ali todos os tipos que participaram da nossa colonização.
E digo mais até. a umbanda não é estática como a história tbm não é. Assim novos tipo humanos podem engrossar as fileiras da umbanda. Assim como o Brasil recebeu imigrantes, a umbanda também pode receber novos espíritos em suas fileiras.
Parabéns mais uma vez.
Axé.
Cheguei nesse blog pela comunidade de amigos, umbanda e espiritismo do orkut. Show de bola.
Lendo o artigo parece que eu vi parte da minha infância, era exatamente assim. Minha família era católica mas sempre recorria a benzimentos, simpatias, etc.
È parte da vida da gente.
Me identifiquei com o texto em quseão.
Mas aí ficou uma dúvida.
E os demais povos? Porque o Brasil ainda recebe outros povo (imigrantes). Orientais, árabes etc. Como ficam na umbanda?
Tem algum arquétipo que os represnte?
Acho que isso dá um bom debate.
Então surgiu a umbanda, pois é..... mas o que mudou nesse tempo todo?
A gente ainda continua lutando por uma coisa que é tão básica: respeito.
Mas com fé no pai Oxalá e com gente empenhada como vcs que movimentam esse blog, a gente vai conseguindo mudar esse quadro. Mesmo que com passo de formiguinha.
Postar um comentário